quinta-feira, 30 de março de 2017

O céu de Stevens- e de Sacadura, quiçá...


Quando o meu sonho estava perto da lua,
As pregas brancas da sua túnica
 Encheram-se de luz amarela.
 As plantas dos seus pés
 Ficaram vermelhas.
 O seu cabelo encheu-se
 De certas cristalizações azuis
 De estrelas,
 Não distantes.

Wallace Stevens, EUA (1879-1955)

       (tradução de Luísa Campos)



quarta-feira, 29 de março de 2017

Como dizer poesia


...The poem is nothing but information. It is the Constitution of the inner country. If you declaim it and blow it up with noble intentions then you are no better than the politicians whom you despise. You are just someone waving a flag and making the cheapest kind of appeal to a kind of emotional patriotism. Think of the words as science, not as art. They are a report. You are speaking before a meeting of the Explorers' Club of the National Geographic Society. These people know all the risks of mountain climbing. They honour you by taking this for granted. If you rub their faces in it that is an insult to their hospitality. Tell them about the height of the mountain, the equipment you used, be specific about the surfaces and the time it took to scale it. Do not work the audience for gasps and sighs. If you are worthy of gasps and sighs it will not be from your appreciation of the event but from theirs. It will be in the statistics and not the trembling of the voice or the cutting of the air with your hands. It will be in the data and the quiet organization of your presence.

Avoid the flourish. Do not be afraid to be weak. Do not be ashamed to be tired. You look good when you're tired. You look like you could go on forever. Now come into my arms. You are the image of my beauty.
 Leonard Cohen, ( excerto de How to speak poetry )


domingo, 26 de março de 2017

«Quyquyo»





















La Oruga

Te he visto ondulando bajo las cucardas, penosamente, trabajosamente,
pero sé que mañana serás del aire.

Hace mucho supe que no eras un animal terminado
y como entonces
arrodillado y trémulo
te pregunto:
¿sabes que mañana serás del aire?
¿te han advertido que esas dos molestias aún invisibles
serán tus alas?
¿te han dicho cuánto duelen al abrirse
o sólo sentirás de pronto una levedad, una turbación
y un infinito escalofrío subiéndote desde el culo?

Tú ignoras el gran prestigio que tienen los seres del aire
y tal vez mirándote las alas no te reconozcas
y quieras renunciar,
pero ya no: debes ir al aire y no con nosotros.


Mañana miraré sobre las cucardas, o más arriba.
Haz que te vea,
quiero saber si es muy doloroso el aligerarse para volar.
Hazme saber
si acaso es mejor no despejar nunca la barriga de la tierra.


Jose Watanabe, Perú (1946-2007)

sábado, 25 de março de 2017

Mudança


A hora mudou
          a estação também,
mas o outono voltou.
Quando o frio for embora
deitarei a pele fora e ao sol
          me esticarei e
                            em pontas
             dançarei
             o vira das emoções.


sexta-feira, 24 de março de 2017

Possível e incerto










Os graffiti do sonho
sulcam a memória
o coração é um pulsar imenso
 uma abertura ao possível


Ana Hatherly
(1929-2015)





quinta-feira, 23 de março de 2017

Cavalo de fogo



Era um cavalo todo feito em lavas
recoberto de brasas e de espinhos.
Pelas tardes amenas ele vinha
e lia o mesmo livro que eu folheava.

Depois lambia a página, e apagava
a memória dos versos mais doridos;
então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.

Bem se sabia que ele ainda ardia
na salsugem do livro subsistido
e transformado em vagas sublevadas.

Bem se sabia: o livro que ele lia
era a loucura do homem agoniado
em que o íncubo cavalo se nutria.


Jorge de Lima, Brasil (1893-1953)









terça-feira, 21 de março de 2017

Das aves


Pôr
ciclicamente
curtos poemas
de rima pobre
ou ausente

ter a inspiração assistida
pelo coração a pulsar
e por vários sacos de ar
expirar demente
quente 
devagar

nunca perder o fôlego
entre penas e siringe
 externo em forma de quilha
 asas para planar
 duas patas sem anilha...

patas
para que as quer se 
 as não pode esticar?





O poema canta


NA BIBLIOTECA

O que não pode ser dito
guarda um silêncio feito
de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiado tarde,

quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,

em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.


Manuel António Pina (1943-2012)












sábado, 18 de março de 2017

A pele do peito



... Mas no fundo sabemos
    que o que importa mesmo
    é roçar a superfície negra
    da pele do peito do anjo
    que está vivo
    que não dorme.

Matilde Campilho



   

quarta-feira, 15 de março de 2017

O Girassol e a Lua


 O SOL

 Sol na serra, girassol
 O que é que fizeste da Lua?
 Nós partilhamos a mesma sorte
 Ela no céu e eu no chão...
 Sobre nós mesmos rodamos
 Como loucos numa prisão.


Robert Desnos, França (1900-1945) 

Okuhara Seiko (1837-1913)


domingo, 12 de março de 2017

«Sakura»




       «É o vento da primavera»,
 diz a mulher à sombra        
         que com ela caminha.







sábado, 11 de março de 2017

Interrogação




 Se as mãos longas de desassossego te conduzem ao canto
 e o macio azeviche dos cabelos te percute o estro
 como evitar o pousar inadiável dos seus lábios sobre os teus?




sexta-feira, 10 de março de 2017

Cantar flores sem uma frase sequer


Velha Canção Tradicional

“ Flor de cerejeira, flor de cerejeira!”
   Assim cantavam
     junto da velha árvore...

A árvore nas canções
  era uma só frase:
   “ Flor de cerejeira, flor de cerejeira!”


Issa, Japão (1763-1827)



terça-feira, 7 de março de 2017

Gota de orvalho


 Em vão o menino tentava
 Segurar uma gota de orvalho
 Entre o polegar e o indicador

Issa Kobayashi, Japão (1763-1827)


        (versão de Jorge Sousa Braga)