Açúcar mascavado

Do rés-do-chão

 onde a sombra mora e

 próteses de membros aguardam

 agora

 eleva-se de súbito

 rosado lilás

 incendiando o coração

 de vidro-

 - vivaz pomar

 pelo sol esquecido.

Saturação

O tempo- em armazém

Glavina

Grade da Vergonha- registo

Trepadeira com flores

 com suas hastes que
     suavemente 
 penetram a pele
 desvelam o sangue
   trepa a hera
 abraça o tronco
 encosta-se à parede
    humilde
 no seu saber
 que persiste
   - há eras...

Olhe para cima!

Aparições

Andrómeda

Amália 

Rezas de descrentes

Em nome do pai
              da mãe
do irmão
- dos amigos também...

Dias de chuva

Paguei a eletricidade o pão sem sal

 para provar

 bebi um café ofereci outro e um beijo

 a quem com muletas

 me pediu para lho dar

  depois regressei a casa

 a titubear

 amarrotando papéis rabiscados

 que teria de alisar.

Giromancia

Yves Klein "Antropometrias"

desconforto correria
humidade sensaboria
no exterior;

no avesso da pele
a carne rubra
vivida flor. 

China- canção popular

Mais ligeiros do que um pássaro que anda sobre a neve 
Os pés da minha amada vêm ao meu encontro.
Veste umas calças azuis como o céu em maio.
 A ondulação da ribeira traz uma pedra branca.

 China, canção popular de Houan 
                                        ( traduzida por mim)

Gatos, galos e humanos

Coração de leão

Longe do s e da s

   Porque desobedeceram,
   não mais puderam voltar ao jardim na planície.                                   Refugiados em outras terras para
onde seguiam os quatro braços do rio que saía do tal jardim,
tiravam e punham as peles quando queriam-
esquecendo vergonha e medo.
Pouco a pouco aprenderam uma nova linguagem,    longe                                      do senhor e da serpente. 

O repouso do bando

Desfaz-se o bando

um a um

pousam

esvoaçando

no amarelo

inalcançável

da grua

sol baixinho

ei-los a trilar

nua estridência

      no ar

Miranda 2018

Cai com a noite a humidade

que o vento moderado transporta

colho flores na cidade

partem as aves... que importa?

Ouvir, ver, crer, mover-se com: LPO

                                Ontem ou-vi- os. Empolgaram-me!

Pergunta

Quem poderá caminhar 

como o sol de outono

para o seu poente?

" O lugar dos solitários"

Que o lugar dos solitários
Seja um lugar de perpétua ondulação
Onde quer que seja: em alto mar
Sobre a sombra e verde ondulação da água
Ou nos rios –
Que não haja nenhum fim
Do movimento ou do barulho do movimento
Da renovação do barulho
E da múltipla continuação
Sobretudo, do movimento do pensamento
De sua incessante reiteração

No lugar dos solitários
Neste lugar de perpétua ondulação

Wallace Stevens, EUA (1878-1955)
      (trad. de Marie-Claude White)

O outono no Paraíso

A vida

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa; 

(…)

João de Deus (1830-1896)

Presente- na ausência aparente

 

Fruta silvestre da época

Lamento do Gigante e do Homem pequenino

      leitosa mancha encobre a outra banda
       se dilui devagar e com a brisa
                           desanda

               verde rede sem escusa
             nos impede de ver mais:
             partem talvez cacilheiros
             que nunca chegam ao cais.


 

Sabia que...

                                  mesmo paradas
                                              as gruas
                    não podem estar presas? 
                                           - Os grous também não.

Boa Esperança: para memória futura