sábado, 6 de abril de 2024

«Um rio morre de sede»


Havia aqui um rio

que tinha duas margens

e uma mãe celestial que o nutria com gotas das nuvens

Um pequeno rio que corria lento

descendendo do cume das montanhas

visitando aldeias e tendas como um encantador e jovial convidado

trazendo para o vale oleandros e tamareiras

e rindo-se para os boémios noturnos nas suas margens:

«Bebam o leite das nuvens

e deem de beber aos cavalos

e voem para Jerusalém e Damasco»

A uns, cantava heroicamente

a outros, apaixonadamente

Era um rio com duas margens

e uma mãe celestial que o nutria com gotas das nuvens

Mas raptaram-lhe a mãe

e, porque de água privado,

morreu, lentamente, de sede.

 

Mahmoud Darwich, Palestina (1941-2008)

       (tradução, da v. ingl., de Manuel A. Vieira)