quarta-feira, 31 de julho de 2013

Beauty in blues




Benjamin e a Beleza

Há em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscura…

excerto da tradução do 52º soneto de Walter Benjamin,

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Carimbos



. «Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
.
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
.
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
.
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.»
                                                         Natália Correia, Sonetos Românticos 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Mamas, parte de um todo


MAMAS ou a parte pelo todo
                           …«Então me nutro das tetas dos poetas/pensando no meu seio.»
                                                                                                                               Ana C. César

Raramente usei mamas para referir as pequenas formas gémeas que do meu peito emergem e que, a seu modo, compõem a estética e exibem a dualidade de qualquer eu-feminino. Por sempre me ter parecido demasiado pesada, funcional quanto baste e, ainda, por não poder aplicar-se, com precisão, ao meu caso concreto…
Depois de ler Mamas, pus de lado o diminutivo de que habitualmente me sirvo para designá-las. Trilhando aforismos, vogando em associações imagéticas subitamente alterosas, levada, em suma, pela visão conceptual/emocional do autor, aprendi a gostar da palavra. No corpo dos 38 pequenos textos em que ela irrompe, vem revestida de uma força mágica e, simultaneamente, material que a presentifica!
Foi com um espanto imenso que mergulhei as mãos nesse hino/tratado lírico às partes sensíveis, ao quadrado, do nosso corpo. E ouvi-me repetir, maravilhada, o par de sílabas que formam esses pequenos hemisférios e a ter de dar-lhes a volta, em menos de 80horas.Nem Júlio Verne que, há 116 anos (em 1895), publicou a sua volta ao mundo, foi capaz de me valer!
Então fiquei no meu quarto, lendo - escutando. Aconchegando as letras, chegando-me a elas, para não partir sozinha. Todo o toque, por ser efémero, desencadeia o desejo de eternizar no tempo e no espaço a viagem, feita de regressos e de paragens inusitadas, que logo possibilita.
Lábios, boca, língua dentes; mãos, ouvidos: os instrumentos de aproximação e descoberta. De sons, formas, volumes -sensações; de limites e até do indizível dessas projecções redondas e macias que saciam fomes diversas. Do sujeito que as diz, cantando e que é por elas dito, beijado, escrito: reciprocidade cúmplice.
E como em qualquer viagem, (na poesia também), há riscos: lutas, miragens, fogo-de-santelmo, abisso  – mortes, perda do eu… que (eu) sei eu!
Em tom elegíaco e hedonista - de onde nem toda a liturgia/ironia estão ausentes e num metro deliberadamente irregular, Rui Caeiro materializou - devolvendo-as a quem de direito, as nossas mamas, constituindo-as como um objecto estético cujo «arfar serena os ventos em volta».
 Rico, muito rico, é aquele que assim nos refaz!
                                                                     Felizmina Pulquérrima

terça-feira, 23 de julho de 2013

Novas cenas do ódio em t-shirts brancas





Para o Miguel Martins, poeta e criador de «a metafísica das t-shirts brancas»

Poderia falar-te da bomba
que em breve rebentará
Do animal enjaulado e atómico
nas traseiras de um prédio
suburbano de mim
Que oiço ainda
durante a noite
todas as noites
em cada átomo
de mim

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Exterior/ Interior



Gosto de não conseguir ler o que vou escrevendo: é mais um passo para a libertação, embora esta justificação seja assaz enigmática…
Apetecia-me, mas não danço, ou seja, não me mexo nem balanço- visão do exterior- nada me agita; tudo parece estar certo no seu lugar; apenas uma ligeira corrente de ar trazida pelo volume daparelhagem quenche existências esburacadas.
Ninguém me vê, ninguém perguntará também onde me encontro. Absorvem-me o papel e a vertigem rítmica dos sons.
Estado do sítio: neste espaço e neste tempo me situo. Estado de exceção? Estado de graça?! !
Para um bar só se deve vir sozinho. Sentado- de preferência- ou de pé, tanto faz, dialoga-se com o outro que raramente ouvimos e que reside dentro de nós. Naparência, o que se ouve é a música que outrem escolhe para ti. Mas da tua mão começam a surgir pedaços do teu interior, fragmentos do presente do passado movendo-se na alba pista do desejo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

L'oubli / l'éponge

Nublado, o céu liquefaz-se.
A pele da brisa humedece:indícios de mar...

L'éponge cet outil indispensable habite les profondeurs des océans.

«...para não sentir o som de um beijo que de todas as maneiras não poderia ouvir, ocupado a segurar as lágrimas até que derivado ao sono e à esperança que no sábado havia de estar na Trafaria com o meu avô que prometeu ensinar-me a segurar Lisboa inteira na palma e a deixá-la cair na água enquanto as ondas iam soltando pranchas e nós dois homensrapaz,comigo a pensar
-O que interessa Lisboa o que interessa a Maria Adelaide?
me fui esquecendo deles.»