O
NOME DA FERIDA
A
tua ferida tem uma pátria antiga
mas nunca regressarás a ela
caminhando
pelo gume da estrada que os outros pisam.
Arrastas
uma sombra nos sulcos
da memória, na lama seca dos dias -
é
esse o teu pó, o fogo acerado
que te consome o que resta das
asas,
esta areia que desliza entre dedos
até queimar como
luz branca
- ou reflexo de luz branca na garganta -
as
portas altas das palavras.
Nesse rumor puro, nesse sangue claro
te esvais,
encostado às paredes do ar,
enquanto os outros
afiam as navalhas
nos teus sonhos. É um destino.
Mas
não nasce aí a tua ferida, no líquido
espesso que desses
corações se derrama
até te manchar as mãos, porque o que aí
pulsa
é apenas uma tinta podre - aquela em que tu escreves,
a
mesma que te corre entre as veias estreitas.
A tua ferida tem
uma pátria mais antiga.
Chama-se saudade, sombra ou silêncio.
Paulo
Ramalho, in "Exorcismo dos Anjos"