segunda-feira, 30 de julho de 2018

«O céu em línguas» excerto

O céu em línguas


III
Por estes dias
e na língua surda
do dinheiro
o vácuo enche-se
de paraísos fiscais
onde o desespero humano
é visível à vista desarmada


a congelar
na noite dos tempos
e para memória futura
os meus restos
mortais


A. Dasilva O. (1980)

domingo, 29 de julho de 2018

«O Poema Contínuo» - excerto







O olhar é um pensamento.
Tudo assalta tudo, e eu sou a imagem de tudo.
O dia roda o dorso e mostra as queimaduras,
a luz cambaleia,
a beleza é ameaçadora.
- Não posso escrever mais alto.
Transmitem-se, interiores, as formas.



Herberto Helder (1930- 2015)




quinta-feira, 26 de julho de 2018

Hilda Hildst

PoesiaI

Corroendo
As grandes escadas
Da minha alma.
Água. Como te chamas?
Tempo.

Vivida antes
Revestida de laca
Minha alma tosca
Se desfazendo.
Como te chamas?
Tempo.

Águas corroendo
Caras, coração
Todas as cordas do sentimento.
Como te chamas?
Tempo.

Irreconhecível
Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu?
Tempo

Hilda Hildst, Brasil (1930-2004)


Papoilas






As flores da papoila
 como calmamente
 vão caindo!

Etsujin, Japão(1656?-1739)

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Les lucioles: os pirilampos



LES LUCIOLES

Elles arriveront bientôt
pour souffler leur feu
dans les sentiers de la nuit



sábado, 21 de julho de 2018

Das feridas


O NOME DA FERIDA
A tua ferida tem uma pátria antiga
mas nunca regressarás a ela caminhando
pelo gume da estrada que os outros pisam.
Arrastas uma sombra nos sulcos
da memória, na lama seca dos dias -
é esse o teu pó, o fogo acerado
que te consome o que resta das asas,
esta areia que desliza entre dedos
até queimar como luz branca
- ou reflexo de luz branca na garganta -
as portas altas das palavras.
Nesse rumor puro, nesse sangue claro te esvais,
encostado às paredes do ar,
enquanto os outros afiam as navalhas
nos teus sonhos. É um destino.
Mas não nasce aí a tua ferida, no líquido
espesso que desses corações se derrama
até te manchar as mãos, porque o que aí pulsa
é apenas uma tinta podre - aquela em que tu escreves,
a mesma que te corre entre as veias estreitas.
A tua ferida tem uma pátria mais antiga.
Chama-se saudade, sombra ou silêncio.
Paulo Ramalho, in "Exorcismo dos Anjos"

quarta-feira, 18 de julho de 2018

La double vie des grenouilles

 Tinha chovido muito- disseram e
                       a humidade instalou-se nos dias.
Na amenidade da noite vocalizos dos machos enchem-nos os ouvidos:  têm poucas horas para mostrarem a sua pujança;
 as fêmeas respondem
   o coro cresce
     algumas dançam até.

 Nada sabíamos da vida-dupla dos charcos.


     " Canta a rã, e não tem cabelo, nem lã "- provérbio enigmático q.b.


sábado, 7 de julho de 2018

Quase verão...


cheiros e cores
chagas e pragas
tudo
se vê melhor
à tão desejada luz
que no colo embala
o calor
chegam em alvoroço
secam paredes molham axilas
penetram no osso
e a pele estala
em estertor
atento vagueia
o vento 
em furor
intermitente.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Nomear e colorir



Dar-lhes nome-
ana briolanja carlota
dulce elvira fátima
helena joana lise
olívia paula soraia-
ousadia,
mas não fico por aqui:
margarida violeta rosa
luzia.

segunda-feira, 2 de julho de 2018