quinta-feira, 29 de setembro de 2022

orvalho de outono

 

  «Já não quero ter nada a ver

com este mundo sórdido»

          e  desprende-se a gota de orvalho

 

Issa, Japão (1763-1827)






quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Água minguante

 

 Uma a uma

 as folhas

 caíam

prematuramente

 das árvores

 Em longos renques

 acamavam-se

em julho

entre passeio e estrada

Morriam à mingua

de água.



segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Assassina?!!...

 coelho


a rapariga

com um coelho bordado

na camisola de lã

é uma assassina

preparou a morte de uma besta

que a perseguia:

 

num sítio isolado

espetou-lhe a faca

no peito

vinte vezes

depois

enfiou-lhe um cigarro na boca

e sobre o sexo deixou

um papel escrito:

“vingança!”

 

agora

está ali a um canto

no pátio da cadeia

tímida

a morder os lábios

a desviar a conversa

a olhar para as nuvens

com a sua camisola de lã

com um coelho bordado


Américo Rodrigues, 1961



segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Mapeações

 

Quando eu desaparecer do mapa

morarás talvez na cabana

ao de leve imaginada

no meio da mata porém

desejo dos sem vintém

pássaros na alba te despertarão

dessa sonolência insana

que te assalta e te esvazia          

 sangue cereja

 as feridas das tuas mãos

milho e oliveiras plantarão

durante o dia

grilos e cigarras

em cio te acompanharão

e tu os farás mansamente cantar

encolhendo as tuas garras

que só servem para caçar

 no lampejo dos noctilúcios

 no vazio deixado por estrela cadente

    e cansada de céu

hás de lembrar-te

muito vagamente

do que é meu

que em cinzas descanso

finalmente

            até renascer

 num muito outro

     trilo

 ou

 na Grécia

ou

no Nilo.