«Já não quero ter
nada a ver
com este mundo sórdido»
e
desprende-se a gota de orvalho
Issa, Japão (1763-1827)
«Já não quero ter
nada a ver
com este mundo sórdido»
e
desprende-se a gota de orvalho
Issa, Japão (1763-1827)
Uma a uma
as folhas
caíam
prematuramente
das árvores
Em longos renques
acamavam-se
em julho
entre passeio e estrada
Morriam à mingua
de água.
coelho
a rapariga
com um coelho
bordado
na camisola
de lã
é uma
assassina
preparou a
morte de uma besta
que a
perseguia:
num sítio
isolado
espetou-lhe
a faca
no peito
vinte vezes
depois
enfiou-lhe
um cigarro na boca
e sobre o
sexo deixou
um papel escrito:
“vingança!”
agora
está ali a
um canto
no pátio da
cadeia
tímida
a morder os
lábios
a desviar a
conversa
com a sua
camisola de lã
com um coelho
bordado
Américo Rodrigues, 1961
Quando eu desaparecer do mapa
morarás talvez na cabana
ao de leve imaginada
no meio da mata porém
desejo dos sem vintém
pássaros na alba te despertarão
dessa sonolência insana
que te assalta e te esvazia
sangue cereja
as feridas das tuas
mãos
milho e oliveiras plantarão
durante o dia
grilos e cigarras
em cio te acompanharão
e tu os farás mansamente cantar
encolhendo as tuas garras
que só servem para caçar
no lampejo dos
noctilúcios
no vazio deixado por
estrela cadente
e cansada de céu
hás de lembrar-te
muito vagamente
do que é meu
que em cinzas descanso
finalmente
até renascer
num muito outro
trilo
ou
na Grécia
ou
no Nilo.