quarta-feira, 25 de outubro de 2023

«Bastou-me ficar nos seus braços»

Bastou-me morrer nos seus braços
 ser ali enterrada
 dissolver-me sob o seu lodo e
 desaparecer renascer erva no seu solo
 e renascer flor que a mão duma criança medrada
 no meu país vai apanhar
 bastou-me permanecer no seio do meu país
 como terra e erva e flor

  Fadwa Tuqan, Palestina, (1917-2003)

      (tradução de Maria Paiva)

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Guerras 4

… Aquele pequeno orifício, que fica depois da bala ter atravessado, esvaziou-me dos meus conteúdos, tudo fluiu gentilmente, memórias, nomes de amigos, vitamina C, canções de casamentos, o dicionário árabe, a temperatura de 37 graus ácido úrico, os poemas de Abu Nuwas, e o meu sangue. Quando a alma começa a escapar pelo pequeno portão aberto pela bala, as coisas tornam-se mais claras, a teoria da relatividade torna-se algo evidente, equações matemáticas que eram vagas tornam-se matéria simples, voltamos a lembrar os nomes de colegas da escola esquecidos, a vida é subitamente iluminada em perfeito detalhe, o quarto de infância, o leite da mãe, o primeiro orgasmo trémulo, as ruas do campo, um retrato de Yasser Arafat, o cheiro do café com cardamomo dentro de casa, o som da chamada à oração da manhã, Maradona no México em 1986, e tu. 


   Ghayath Almadhoun, Palestina-Síria, 1979