… Aquele pequeno orifício,
que fica depois da bala ter atravessado,
esvaziou-me dos meus conteúdos,
tudo fluiu gentilmente,
memórias,
nomes de amigos,
vitamina C,
canções de casamentos,
o dicionário árabe,
a temperatura de 37 graus
ácido úrico,
os poemas de Abu Nuwas,
e o meu sangue.
Quando a alma começa a escapar pelo pequeno portão aberto pela bala,
as coisas tornam-se mais claras, a teoria da relatividade torna-se algo evidente,
equações matemáticas que eram vagas tornam-se matéria simples,
voltamos a lembrar os nomes de colegas da escola esquecidos,
a vida é subitamente iluminada em perfeito detalhe,
o quarto de infância, o leite da mãe, o primeiro orgasmo trémulo,
as ruas do campo, um retrato de Yasser Arafat, o cheiro do café
com cardamomo dentro de casa, o som da chamada à oração da manhã,
Maradona no México em 1986, e tu.
Ghayath Almadhoun, Palestina-Síria, 1979