quarta-feira, 26 de outubro de 2022

«Tanto ser diverso»

 

Tanto ser diverso (tantos deuses e demónios

este mais ávido que aquele) é um homem

 

(tão facilmente um se esconde no outro;

e no entanto, cada um, sendo todos, não escapa de ninguém)

 

tumulto tão vasto é o desejo mais simples:

tão cruel extermínio a esperança

mais inocente (tão profundo o espírito do corpo,

tão lúcido isso a que a vigília chama sonho)

 

tão solitário e tão jamais o homem só

o seu mais breve pulsar dura um ano terrestre

os seus mais longos anos o pulsar de um sol;

a sua mais leve quietude transporta- o à estrela mais jovem

 

Como poderia esse excesso que a si mesmo se

                                                            denomina Eu

atrever-se a compreender o seu inumerável Quem?

 

E. E. Cummings, EUA, (1894-1962)

   - transversão de Zetho C. Gonçalves-



quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Submersibilidade

 

Livres enfim das

    andorinhas

mosquitos e moscas

sucumbem agora

nas inesperadas águas

de um rio atmosférico





sexta-feira, 14 de outubro de 2022

história sur-real

quando recebeu suas cartas

 da corte pouco sabia

pelo rei que

lhe escrevia

maria se embevecia

jovens um e outro amavam

a música a escrita

o amor

 perdera ela o irmão que

mais tarde morreria

   num torneio

o rei irmãos não tinha

mas uma irmã lhe falecia

entretanto a procurou

  num volteio

irmãos facilmente encontrou

 nas semelhanças

que com eles partilhava

 maria

aparecida que foi

semelhante lhe pareceu

dos dois 1 único eu

proximidade sem véu

laços e alguns nós

no ar

no mar

se mantiveram

mas de sangue não

só no papel

- quiçá no ecrã

nos seus genes porém

o rei inscreveu essa irmã

e agora sem pai nem mãe

se doam

sem que isso doa

desse espesso

sangue- ímã


 

domingo, 9 de outubro de 2022

Palmas

 

Palmas 


Palmas para nós que as almas se afogam em águas calmas

Plumas onde as estrelas se encontram nas discotecas

Sem cuecas amizades alforrecas deitado e marreca coitado

Pretéritas usadas moedas lançadas ao fundo do nada molhadas

E secas namorada e cansada dum poeta abjecto queimado num altar

 

Palmas para nós dores d'almas ressacas opacas

Sem ondas nem entregas mãos magras

Plumas sem penas das arquitetas já só há palavras

Ocas cimentadas em maquetas manchadas em tretas

Secretas projetadas já cansadas de nós

 

                 Rui Reininho, (1955)





quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Entardecer

fotografia de Fotografia de J.de Matos Alves

 

rútila cabeça

sob pálido guarda-sol

arrebol

sob o metal da ponte

ocre lua

afundando-se no rio


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A processar Poeiras...


tempestades de areia no Saara

trazem-nos de novo a poeira

anuncia

a meteorologia

olhos fechados aos lances

ouvidos treinados

em detetar mentiras

- sereia quem assim canta-

protejo a garganta

sacudo em seguida a poeira

levanto-a pouco depois

um grão no deserto

um grão no universo

são 2022……..