NOSSA SENHORA
DA APRESENTAÇÃO
O altar as vagas,
o dossel a espuma!
Missas rezadas pelo vento,
ora pelos fiéis defuntos que se foram
noutras vagas,
ora pelas barcaças que, uma a uma,
buscaram as sereias na distância
e se foram com elas.
Sobre o altar, entre círios, que não são
os círios murchos das igrejas velhas
mas os lumes das estrelas,
ELA,
Nossa Senhora da Apresentação,
Aquela
que não tem mantos da cor do céu
nem fios de oiro nos cabelos
nem anéis nos dedos;
aquela
que não traz um menino nos seus braços
porque os seios mirraram
e já não tem pão
para lhe dar;
Aquela
que tem o corpo negro e sujo
e os ossos a saltar
da pele
e dos rasgões da
saia e do corpete;
Nossa Senhora da Apresentação
da Beira-Mar,
que tem capelas
em cada peito de marinheiro,
e que morre e, num
instante,
se renova
e que anda
quer nos engaços do sargaceiro
ou nas gamelas do pilado
e palhabotes da Terra Nova.
Aquela
a quem todos adoram.
Dos
meninos
feitos nos intervalos das campanhas,
aos bichanos que limpam de cabeças
e tripas de pescado
as muralhas do cais.
O dossel a espuma.
O altar as vagas
- e que altar
enorme! -
Entre círios de
estrelas,
Nossa Senhora da Apresentação
e Justificação
- A Fome!
Álvaro Feijó,
(1917-1941)
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Pintura de António Firmino
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