quinta-feira, 10 de março de 2016

«Nossa Senhora da Apresentação»


NOSSA  SENHORA  DA APRESENTAÇÃO

O altar as vagas,
 o dossel a espuma!
 Missas rezadas pelo vento,
 ora pelos fiéis defuntos que se foram
 noutras vagas,
 ora pelas barcaças que, uma a uma,
 buscaram as sereias na distância
 e se foram com elas.
 Sobre o altar, entre círios, que não são
 os círios murchos das igrejas velhas
 mas os lumes das estrelas,
 ELA,
 Nossa Senhora da Apresentação,
 Aquela
 que não tem mantos da cor do céu
 nem fios de oiro nos cabelos
nem anéis nos dedos;
 aquela
 que não traz um menino nos seus braços
 porque os seios mirraram
 e já não tem pão para lhe dar;
 Aquela
 que tem o corpo negro e sujo
 e os ossos a saltar
 da pele
 e dos rasgões da saia e do corpete;
 Nossa Senhora da Apresentação
 da Beira-Mar,
 que tem capelas
 em cada peito de marinheiro,
e que morre e, num instante,
 se renova
 e que anda
 quer nos engaços do sargaceiro
 ou nas gamelas do pilado
 e palhabotes da Terra Nova.
 Aquela
 a quem todos adoram.
                                         Dos meninos
 feitos nos intervalos das campanhas,
 aos bichanos que limpam de cabeças
 e tripas de pescado
 as muralhas do cais.

O dossel a espuma.
O altar as vagas
- e que altar enorme! -
Entre círios de estrelas,
 Nossa Senhora da Apresentação
 e Justificação
- A Fome!


Álvaro Feijó, (1917-1941)


Pintura de António Firmino

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