sábado, 30 de julho de 2016

Praça da Alegria: dançar sempre



Poeta na Praça da Alegria

 Não sou infeliz. Não, não me quero matar.
Tenho até uma certa simpatia por esta vida
passada nos autocarros,
para cima e para baixo.
Gosto das minhas férias
em frente da televisão.
Adoro essas mulheres com ar banal
que entram em directo no canal.
Gosto desses homens com bigodes e pulseiras grossas.
Acredito nos milagres de Fátima 
e no bacalhau com broa.
Gosto dessa gente toda.
Quero ser um deles.

Não, não guardo nenhum sentido escondido.
Estas palavras, aliás, podem ser encontradas
em todos os números da revista Caras.
A ordem às vezes muda.
Não quero que me façam nenhuma análise do poema.
Não, não escrevam teses, por favor.
Isto é apenas um croché 
esquecido em cima do refrigerador.

Obrigado por terem vindo cá para me beijarem o anel.

Obrigado por procurarem a eternidade da raça.
Mas a poesia, mes chers, não salva, não brilha, só caça.


Golgona Anghel, Roménia ( 1979)

terça-feira, 26 de julho de 2016

Sem papas na língua



Soy una mujer; de sangre fiel,
también violenta, de fuerza férrea,
que no espera, de suerte buena ni dulce azar,
que ya vendrán.

Y si en camino, a donde voy; 
encuentro fieras, de astuta lengua,
que bien deseen, matar sin tregua, no dejaré, no dejaré.

Cuando los mares, lleven vehementes
toda memoria de nuestras guerras,
espero me recuerdes bien y que tu sangre siga fiel;
espero me recuerdes bien y que mi voz, no cante...

¿En dónde estás?

Es mi mano firme quien impedirá;
que aquellas fauces prueben siquiera,
restos de aquel canto, restos de una historia,
que yo habré de guardar en bien.

Y es mi pecho quien embestirá; 
con voz hercúlea y ciega rabia,
a quien intente mover siquiera el rumbo que,
yo seguiré.

Cuando las tierras y los volcanes broten dementes y todo pase,

 espero que aún me puedas ver y que tu sangre siga en pie,
 espero que aún me puedas ver y que tu voz, no cante...

¿En dónde estás?
 Coyoli

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Água



GOTA DE ÁGUA

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.



António Gedeão (1906 -1997)


Foto de Jorge Molder- fotografada por mim


terça-feira, 19 de julho de 2016

Mundo mineral


Prodigio

El trabajo de este día consiste
en llevar una piedra de aquí para allá.
Es una roca muy pesada,
más que un buey,
más que una bolsa cargada de lluvia.
Es un agujero prehistórico,
un espejo negro
a punto de tragarse el mundo.

El trabajo de este día consiste
en alzar esa piedra con los ojos y depositarla
suavemente en el medio del camino
para que se detengan los ciclistas,
se detenga la música de fondo,
se detenga la Ruta Dos
a la hora señalada por las arterias rojas.

Y cuando todo esté detenido,
entorpecido por la piedra,
detenidas las generaciones ilustradas y piadosas,
detenido el amor entre las cosas naturales
y las cosas manifiestas,
el trabajo, entonces,
consistirá en sacarla de ese lugar,
levantar la piedra nuevamente con los ojos cansados
y enterrarla por ahí, en la nada,
en ese lago de cerrada indiferencia
donde cruje la cama, alumbra el televisor,
brillan los motores,
cae el vino adentro de la luz,
se pudren la memoria y las conversaciones tristes,
y se hunden, con la piedra,
en la más completa extinción.


Daniel Calabrese, Argentina, 1962






quinta-feira, 14 de julho de 2016

Louvação


(...)    LOUVADA SEJA a lágrima espontânea
 que lentamente nasce nos formosos olhos
         dos jovens que se tomam pela mão
 dos jovens que se olham e não falam

         O balbuciar dos namorados sobre as rochas
 um farol que deslaça a tristeza dos séculos
         o grilo persistente como o remorso
 e o xaile abandonado na brisa da noite

             A MENTA áspera e perjura entre os dentes
 dois lábios que não podem consentir  e no entanto
            o «adeus» que brilha um momento nas pestanas
 e depois o mundo turvo para sempre

            O lento e pesado orgão das tempestades
 Heráclito na sua voz arruinada
              o outro lado invisível dos assassinos
 o pequeno «porquê» que ficou sem resposta

             LOUVADA SEJA a mão que regressa
 do crime terrível e sabe agora
             qual é em verdade o mundo superior
 qual é o «agora» e o «sempre» do mundo:

AGORA a fera do mirto Agora o grito de Maio
 SEMPRE a consciência extrema Sempre a lua cheia

Agora agora a ilusão e a mímica do sono
 Sempre sempre a palavra e a Quilha estrelada

Agora o movimento da nuvem dos lepidópteros
Sempre a luz circundante dos mistérios

Agora a crosta da Terra e a Potência
 Sempre o pão da Alma e a quintessência

 Agora a incurável negrura da Lua
 Sempre o brilho azul dourado da Galáxia

Agora a amálgama dos povos e o negro Número
 Sempre a estátua da Justiça e o grande Olhar

Agora o declinar dos Deuses Agora a cinza do Homem
 Agora Agora o nada
                                e Sempre o mundo pequeno, o Grande!


Odysséas Elytis, excerto final de Áxion Estí, (publicado em 1959)


sexta-feira, 8 de julho de 2016

pára escuta e vê


Barafunda de estrelas

  IV

        ADICIONEI os meus dias e não te encontrei
 nunca, em sítio nenhum, para me tomares a mão
       no clamor dos abismos e na minha barafunda de estrelas!
 Tomaram uns o Saber e outros o Poder
       a escuridão rasgando a duras penas
 e pequenas máscaras, de alegria e tristeza,
        ajustando à face arruinada.
 Eu é que não, não ajustei máscaras,
        deitei para trás de mim alegria e tristeza
 pródigo deitei para trás de mim
        o Poder e o Saber.
 Adicionei os meus dias e fiquei sózinho.
         Disseram uns: porquê? Este também há-de viver
 na casa com vasos e a branca noiva.
         Cavalos de pêlo fulvo e negro acenderam-me
 a obstinação por outras mais brancas Helenas!
        Almejei outra mais secreta bravura
 e aí onde me impediram, invisível, fui a galope
          restituir as chuvas aos campos
 e recuperar o sangue dos meus mortos insepultos!
           Disseram outros: porquê? Este também há-de conhecer,
 até ele, a vida nos olhos do outro.
         Não vi olhos de outrem, não encontrei nada
senão lágrimas no vazio que abraçava
        senão borrascas na serenidade que suportava.
Adicionei os meus dias e não te encontrei
         e enverguei as armas e saí sozinho
para o clamor dos abismos e a minha barafunda de estrelas!

                 Odysséas Elytis, Grécia (1911-1995)

                     ( tradução de Manuel Resende)



quinta-feira, 7 de julho de 2016

Cavalos


Cavalo, cavalo da terra, saltas sobre
toda a pobreza chã ou obstáculo.
O vigor da palavra é evidência acesa
é saber-te do chão até à crina.

Quem te arranca a força de raiz
em que vale te cavam ou te calam,
de perfil ou de fronte és cavalo sempre,
cavalo de sempre.

O teu nome é uma parede que nos fala
sobre o teu silêncio. E é um nome
que não se excede e horizontal se lê,
a prumo.

António Ramos Rosa (1924-2013)




domingo, 3 de julho de 2016

Turqueza

Turquesa

¿Cómo pudo el óxido
crear tanta belleza?

Torso de bronce, dedos de bronce,
lengua de bronce,
revestida en turquesa
como la Estatua de la Libertad
o las fachadas de hierro forjado de Manhattan,
como el cascarón de petirrojos reciénpuestos
frágiles y precisos como la vida misma,
como la silueta de los rascacielos
enredada en estos dedos de bronce,
forjadores de versos— versos que también
se oxidarán—.

¿Cómo pudo el tiempo oxidar
tanta belleza?
Vida desteñida de turquesa sagrado,
turquesa tóxico e imposible de
recrear como la vida misma,
vida que se vuelve de color turquesa
a medida que nos oxidamos,
a medida que nos acercamos
al otro lado…
(Alba)


Alex Lima, Equador, 1975