sábado, 30 de setembro de 2017
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
Príncepe
Príncepe do dia, do uno, (com os contos de fadas, a Bíblia e Henri Michaux)
do falo estrelejando
a noite,
sede da vida, coluna erecta.
Príncepe da certeza renovável,
de um reino inteiro,
das mãos abertas;
ágil príncepe sem coroa
nem manto.
Príncepe
princípio do espanto.
terça-feira, 26 de setembro de 2017
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
Águas e flores
Fotografia de G Alves |
Diidxa’ ne guenda
Guyuu tu gucua nisa dondo bi’na’ guidila’du’,
tu guzá de íque de ñeeu
ne qui nuxhalelu ti ñunibia’ xtuxhu gubidxa.
Guyuu tu gudxiru lu guendaró
ne qui niná ñe’ dxuladi male ne cuba ladxi guenda.
Guyuu tu bigaanda ti pumpu nalaa xa’na li’dxu’
ne qui niná ñuni saa.
Qui ganna ca binni huati pa ti guie’ biaba layú
guie’ ru’ laa dxi gáti’.
Tradición
Hubo quien probó el mosto de tu piel,
te caminó de la cabeza a los pies sin abrir los ojos
para no descubrir el resplandor del sol.
Hubo quien sólo pellizcó la comida
y no quiso beber el chocolate de los compadres
y el pozol de semilla de mamey.
Hubo quien colgó en la puerta de tu casa una olla rota
y no quiso pagar la fiesta.
No supieron los tontos que una flor caída al suelo
sigue siendo flor hasta su muerte.
Natalia Toledo, México (1967)
sábado, 23 de setembro de 2017
«Blues» da areia branca
(ecos de um outono de Bashô)
um sol que teima em queimar
a brisa do norte
penetrante
cabelo - folhas- volante
a pele do verão
boiando no mar.
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
Mar de oeste
MAR DE OESTE
Eis que do seu dorso despontaram garras
no vértice onde se
embalavam peixes
nasceram asas,
num anseio de pombas
mortas implumes!
Eis que o líquido e o denso se casaram
formando um monstro:
rochedo e cavalo
serpente e águia
grilheta e asa.
E num barco de papel navego eu!
Madalena Férin (1929-2010)
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
Aves que ainda cantam
Pelos livros eu sei
que os pássaros voavam
antigamente, razão
por que somente nos poemas
se encontram aves que ainda cantam
Arménio Vieira
domingo, 17 de setembro de 2017
Do barro, das giestas e dos cagarros
Santa Maria desvenda-se entre as névoas: um monte alongado
com uma parte mais baixa e a Vila do Porto saliente, tudo azul emergindo do
azul. À medida que o São Miguel se
aproxima, reparo que a ilha é doirada, com sombras a escorrer pelos montes
abaixo. Alguns riscos mais carregados, algumas manchas roxas que pouco a pouco
se acentuam. Fico perplexo e só quando chegamos quase à fala da povoação, Vila
do Porto, é que compreendo: a ilha é um torresmo de pedra negra, de areia
negra, como se tivesse passado pelo fogo do Inferno, mas o torresmo está
coberto de giesta rasteira e doirada, de giesta em flor, que cheira a uma légua
de distância. Subo por um caminho entre figueiras-do-diabo e solteiras, como se
chamam aqui as sardinheiras, que crescem por todos os lados. Colinas, campos de
pastagem, e ao longe um pico mais alto donde se descobre toda a ilha. Povoação
de duas ou três ruas e casinhas, com a igreja, a ossada dum convento e o solar
humilde de Gonçalo Velho.
É isolado e triste — mas pedras, campos e furnas estão
cheios de asas e de gritos: os escarnentos, negros como melros, passam no ar
com o biscato no bico, e a babosa enche este negrume cinzelado de oiro e de
perfume. Há momentos em que se encobre o Sol e o torresmo sai mais negro do
mar: só fica o cheiro que impregna a terra e o céu.
É aqui que os barcos de três velas vêm buscar o barro em
bolas, para São Miguel fabricar grandes talhas, canecas porosas, vasilhas de
todas as formas e feitios. Santa Maria não só fornece os oleiros dos Açores mas
fabrica também cântaros, púcaros, caboucos, numa ruazinha escondida da vila.
Processos primitivos: o homem numa oficina escura prepara e amassa o barro, a
que outros vão lentamente dando feitio no engenho. Trabalha a mão e o pé: o pé
na grande roda que faz girar o prato com o barro ainda informe, e a mão
dando-lhe a forma. Que importa que isto seja um ermo onde até às vezes a água
falta, sendo preciso para matar a sede trazê-la em navios de São Miguel? Aqui
se vive e aqui se morre. E devo dizer que desta ilha silvestre duas coisas
ficarão para sempre na minha memória: o púcaro de barro poroso que torna a água
fresquíssima, e o cheiro a giesta que a embalsama. Fiquei-a conhecendo para o
resto da minha vida pela ilha que cheira bem... (...)
Já no horizonte outra ilha se estende em biombo, baixa e
enorme, toda da mesma cor. Mas o que me interessa é a luz que mudou, é o céu
que mudou — a luz delicada dos Açores, o céu dos Açores carregado de humidade e
forrado de nuvens que um pintor imitaria na tela com pequenos toques
horizontais cor de chumbo, carregando-os e amontoando-os cada vez mais até à
linha do horizonte. E é esta luz que me acompanha e nunca mais me larga, a mim
que vivo de luz límpida, e que acordo todas as manhãs com o pensamento na luz... (...)
Nota: Segundo o cronista Gaspar Frutuoso, na sua
obra Saudades da Terra, Gonçalo Velho
descobriu a ilha de Santa Maria, em 1432, e a de S. Miguel, em 1444. É de notar
que nem Gomes Eanes de Zurara, nem Duarte Pacheco Pereira o referem nas suas
crónicas. Gonçalo Velho foi o primeiro capitão-donatário das ilhas de Santa
Maria e S. Miguel, no Arquipélago dos Açores.
Excerto de As
Ilhas Desconhecidas (1926) de Raul Brandão
sábado, 16 de setembro de 2017
Wood-notes-cutter
Wood-notes-cutter
I was drawing ancient boats
ancient faces
all sails set
to the spirit
of the
places
hiding inside the spirits
in the wood.
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
Poetas por conhecer
Praise for
the sun
warming the gardens
Praise for the water
that blossoms the flowers
I’ll be here today
I may be gone tomorrow
but I smelt the flowers
and I tasted the wine
(…)
João M Sousa
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
Eternos viajantes
HAI- KAI
O homem sonha, mas Deus não quer.
Miragem e viagem é
mais que rima,
é sina. Sendo assim,
o poeta morre.
Arménio Vieira, Cabo
Verde (1941)
terça-feira, 12 de setembro de 2017
Loucura, roupa do nosso corpo
Já alguém sentiu a loucura vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto do Ângelo de Lima? Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem nem resignação
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira para tudo?
Tu só loucura és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto do Ângelo de Lima? Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem nem resignação
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira para tudo?
Tu só loucura és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.
Almada Negreiros
segunda-feira, 11 de setembro de 2017
O albafar
ALBAFAR
(...)
O alfafar, o albafar é o lobisomem do mar.
Chega a vir a terra
uma vez por ano. Ele
zela pela autofagia
colectiva. É o
albafar que manda, o
albafar que vem
trazer o fogo da
morte. Cuidados
extremos se querem
com a chegada do
enviado.
Ficam avisados os turistas, os estrangeiros
residentes nas bases:
afastem-se cuidadosamente
nesse mês, e nos
outros de quentura, da ilha
- e o melhor é não voltarem nem mesmo nas estações
de chuva, o albafar
conluia-se com os cagarros-
porque a ilha é pobre e tem a rudeza do basalto
e não oferece
segurança contra os albafares
e outras espécies
similares, terrenas
que nem por metáfora
cabem no poema.
J H Santos Barros (1946-1983)
sábado, 9 de setembro de 2017
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
Cerebrino
O que tu vês é belo;
mais belo o que tu suspeitas;
e o que ignoras muito
mais belo ainda.
epígrafe de Húmus, de Raul Brandão
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
Ton Vers laine
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