domingo, 2 de março de 2014

Ilhas


                         Azorean Torpor

Onde a vaga retumba eram as obras do porto:
Roldanas, guinchos, cais, pedras esverdeadas
E, na areia da draga, ao sol, um peixe morto
Que vê passar na praia as damas enjoadas.
             
A cidade? Esqueci… Um poeta é sempre absorto;
De mais a mais - talvez paragens abandonadas.
O que é certo é que entrei um dia naquele porto
Em que as próprias marés parecem arrestadas.
             
Porque a mais leve luz que se embeba na Barra
Embacia os perfis dos cais e dos navios
Em frente à linha do horizonte que se perde…
             
E um desconsolo, um não-partir paira nos pios
Das gaivotas sem céu que o vento empluma e agarra
Estilhaçando o arisco mar de vidro verde.
             
Vitorino Nemésio, O bicho harmonioso
Coimbra, Revista de Portugal, 1938 (1ª ed.)

Azorean Torpor é um termo que foi inaugurado pelos irmãos Joseph e Henry Bullar, no livro A winter in the Azores, and a summer at the baths of the Furnas e refere-se ao entorpecimento e apatia que se instalava nos visitantes, por causa do clima, do isolamento, da vastidão. O termo foi reutilizado por Vitorino Nemésio, por Alice Moderno e outros.

Quem inventa ilhas apenas cria
 sabidos paraísos e infernos ainda iguais
 às vidas já vividas na agonia
 de ser o menos e almejar o mais.

Quem em ilha nasce logo cedo reconhece
 onde o menos se distende e como o mais fenece.


Terras. Porto, Campo das Letras- Editores,S.A.


Esta cantiga da terra abre, no entanto, perspectivas novas sobre o assunto. Obrigada,José.




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