Porque
Porque os outros
se mascaram mas tu não
Porque os outros
usam a virtude
Para comprar o
que não tem perdão.
Porque os outros
têm medo mas tu não.
Porque os outros
são os túmulos caiados
Onde germina
calada a podridão.
Porque os outros
se calam mas tu não.
Porque os outros
se compram e se vendem
E os seus gestos
dão sempre dividendo.
Porque os outros
são hábeis mas tu não.
Porque os outros
vão à sombra dos abrigos
E tu vais de
mãos dadas com os perigos.
Porque os outros
calculam mas tu não.
Sophia de Mello B.Andresen, Obra poética
24
Meu coração é como um peixe cego,
Só o calor
das águas o orienta,
E por isso
me arrasta aonde me nego;
De puros
impossíveis me sustenta.
O que eu
tenho sentido é mais que mar;
Em força e
azul, cinco oceanos soma:
Mas ainda há
a tristeza a carregar
E as coisas
que só pesam pelo aroma.
Há o país da
espera e dos sinais,
Se feitos,
apagados na neblina,
E a terra de
tudo e muito mais,
Onde a minha
alma é quase uma menina
Sentada no
jardim de nunca, a triste!
Se vale a
pena em flor, essa ainda rego.
Tudo o mais
– nem me agrava, nem existe:
Árida
distracção, lânguido apego.
Vitorino Nemésio , Poesia
(1916-1940) Vol.1
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