quinta-feira, 31 de julho de 2014

Trovadores, fossados e vinho




( O QUE ME EMBRIAGA…)?

O que me embriaga não é o tinir dos copos cheios de vinho generoso
mas o tinir das espadas e das lanças do meu exército em combate
O que me embriaga é expor-me à morte no campo de batalha
no campo de batalha por todo o lado espalhar a morte


AL-Mutanabbi, Pérsia, Sec. X d.C


Como vivo coitada, madre, por meu amigo,
ca m'enviou mandado que se vai no ferido:
     e por el vivo coitada!

Como vivo coitada, madre, por meu amado,
ca m'enviou mandado que se vai no fossado:
     e por el vivo coitada!

Ca m'enviou mandado que se vai no ferido,
eu a Santa Cecília de coraçon o digo:
     e por el vivo coitada!

Ca m'enviou mandado que se vai no fossado,
eu a Santa Cecília de coraçon o falo:
     e por el vivo coitada!

Martin de Ginzo ou de Grijó (CV 876, CBN 1219)

terça-feira, 29 de julho de 2014

Dança vivida


Qualquer música

Qualquer música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!

Qualquer música-guitarra,
Viola, harmónio, realejo…
Um canto que se desgarra…
Um sonho em que nada vejo…

Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida…
Que eu não sinta o coração!


Fernando Pessoa, Cancioneiro


Território de afeição







segunda-feira, 21 de julho de 2014

Destruição-sem imagens alusivas

“É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro”.

(“Sermão Histórico e Panegírico nos Anos da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia”, II)

"É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come 

e consome tanto menos se farta." 














quarta-feira, 16 de julho de 2014






                       Rondando a noite, na companhia do homem dos balões.

Moro numa rua (quase) tropical

 Tal como as nuvens
Que impele o vento,
E ora assombram, e ora alegram
Os espaços imensos do céu,
Assim as ideias
Loucas que eu tenho,
As imagens de múltiplas formas,
De estranhas feituras, de cores incertas,
Ora assombram,
Ora aclaram
O fundo sem fundo do meu pensamento.

 Rosalia de Castro(1837-1885)


Fotografia de Benoliel

Em «português transatlântico»-enviado por  amigos atentos.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Larbaud e Pessoa: paralamas do sucesso, trains, personae, uns dias-estudos


ODE

Prête-moi ton grand bruit, ta grande allure si douce,
Ton glissement nocturne à travers l'Europe illuminée,
Ô train de luxe ! et l'angoissante musique
Qui bruit le long de tes couloirs de cuir doré,
Tandis que derrière les portes laquées, aux loquets de cuivre lourd,
Dorment les millionnaires.
Je parcours en chantonnant tes couloirs
Et je suis ta course vers Vienne et Budapesth,
Mêlant ma voix à tes cent mille voix,
Ô Harmonika-Zug !
J'ai senti pour la première fois toute la douceur de vivre,
Dans une cabine du Nord-Express, entre Wirballen et Pskow .
On glissait à travers des prairies où des bergers,
Au pied de groupes de grands arbres pareils à des collines,
Etaient vêtus de peaux de moutons crues et sales…
(Huit heures du matin en automne, et la belle cantatrice
Aux yeux violets chantait dans la cabine à côté.)
Et vous, grandes places à travers lesquelles j'ai vu passer la Sibérie et les monts du Samnium ,
La Castille âpre et sans fleurs, et la mer de Marmara sous une pluie tiède !
Prêtez-moi, ô Orient-Express, Sud-Brenner-Bahn , prêtez-moi
Vos miraculeux bruits sourds et
Vos vibrantes voix de chanterelle ;
Prêtez-moi la respiration légère et facile
Des locomotives hautes et minces, aux mouvements
Si aisés, les locomotives des rapides,
Précédant sans effort quatre wagons jaunes à lettres d'or
Dans les solitudes montagnardes de la Serbie,
Et, plus loin, à travers la Bulgarie pleine de roses…
Ah ! il faut que ces bruits et que ce mouvement
Entrent dans mes poèmes et disent
Pour moi ma vie indicible, ma vie
D’enfant qui ne veut rien savoir, sinon
Espérer éternellement des choses vagues.

 Le Masque

J’écris toujours avec un masque sur le visage ;
Oui, un masque à l’ancienne mode de Venise,
Long, au front déprimé,
Pareil à un grand mufle de satin blanc.
Assis à ma table et relevant la tête,
Je me contemple dans le miroir, en face
Et tourné de trois quarts, je m’y vois
Ce profil enfantin et bestial que j’aime.
Oh, qu’un lecteur, mon frère, à qui je parle
A travers ce masque pâle et brillant,
Y vienne déposer un baiser lourd et lent
Sur ce front déprimé et cette joue si pâle,
Afin d’appuyer plus fortement sur ma figure
Cette autre figure creuse et parfumée.


Valery Larbaud, Les poésies de A.O. Barnabooth, Éd. Gallimard, 1948

Sonhando e trabalhando por uma« internacional literária» da qual foi um mediador entusiasta, injustamente relegado para segundo plano, Valery Larbaud nasceu em 1881 e morreu em 1957. Em 1908, publicou, pela primeira vez, estes e outros poemas que atribuiu a A. O. Barnabooth- «un riche amateur».
Esteve em Lisboa e no Buçaco; encontrou-se com escritores e outros nomes das artes portuguesas, aquando da sua estadia na capital, tendo contactado, entre outros, com Almada Negreiros. 
Pessoa nunca é mencionado em todo o material que consultei... transcrevi, no entanto, estes 2 poemas por me parecerem muito próximos daqueles que o nosso poeta- nas suas variações maiores-concebeu. Talvez as semelhanças sejam apenas fruto de« l'air du temps», mais on ne sait jamais...






segunda-feira, 14 de julho de 2014

Parar e correr demais



                                  Sem sair do lugar, corro depressa,
                         
                                  corro demais também

                                           e-podes crer-

                                  já não é pra te ver, meu bem.


Flor, sangue, gatos e outros amigalhaços


Landswher-Kanal, Berlin

O canal para onde deitaram a Rosa
L. como quem deita fora um cigarro
está praticamente coberto de ervas.
Desde então muitas rosas murcharam,
o que dificilmente espanta o turista.
O muro-precursor de betão do Christo-
foge da cidade para a vitela e a vaca
por campos lavados da flor do sangue;
a fábrica de charutos fumega.
E o estrangeiro levanta as saias à mulher
nativa -não como Conquistador,
mas como caviloso escultor,
pronto a desnudar
a estátua que vive mais
do que o reflexo no canal
onde acabaram com a Rosa.

                  1989


Iosif Brodskii, Paisagem com inundação, Ed. Cotovia

«Cat green and...the strange fellas»




quinta-feira, 10 de julho de 2014

«Baile furado»





                                                   No baile em que dançam todos
                                                   Alguém fica sem dançar
                                                    Melhor é não ir ao baile
                                                    Do que lá estar sem lá estar.

    Fernando Pessoa, Quadras Populares, Assírio e Alvim/ CML

quarta-feira, 9 de julho de 2014

A música enche as palavras




                            Dançando contra o absurdo:
                             -dancinha dos abraçaços

terça-feira, 8 de julho de 2014

Pombos, pourquoi pas?



Pombinha na mata


Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

"Eu acho que ela está com fome", 
disse o primeiro,
"e não tem nada para comer."

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha carpir.

"Eu acho que ela ficou presa",
disse o segundo,
"e não sabe como fugir."

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

"Eu acho que ela está com saudade",
disse o terceiro,
"e com certeza vai morrer."

Cecília Meireles, Ou isto, ou aquilo, 1964.


                                 Pombos

                    Tristes, os que esvoaçam e debicam
                    por praças e ruas da cidade
                    na mira de uma pequena esmola

                             Pombos-2

                        As cidades geram a sua própria
                        miséria e eles fazem parte dela
                        não sei se resignados, se orgulhosos

Rui Caeiro, O Carnaval dos Animais,Livraria Letra Livre


Eu não acho, eu sei porque os vi arrulhando, em grande concentração,num local super-secretonde havia muito pão...