segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Minimal



                                                Drame de l’expression

Mes pensées les plus chères sont étrangères au monde, si peu que je les exprime lui paraissent étranges. Mais si  je les exprimais tout à fait, elles pourraient lui devenir communes.
Hélas! Le puis-je? Elles me paraissent étranges à moi-même. J’ai bien dit: les plus chères…
Une suite (bizarre) de références  aux  idées,  puis aux paroles,  puis aux paroles,  puis aux idées.


                    Francis Ponge, França (1899- 1988)




                                   O «Fred» há-de passar, amigos. Força!

sábado, 29 de agosto de 2015

Assim imaginei


                                                        A uma amiga que se ausentou

La mia tomba

Quando sarò dentro alla mia tomba
mi metterò seduta a guardare il mare
e aspetterò di diventare polvere
allora potrò ascoltare i discorsi segreti
e viaggiare nei luoghi dove non sono mai stata
potrò parlare con il vento
e camminare insieme alle nuvole
Andrò a casa di tutti i poeti e
frugherò nei loro cassetti

Quando sarò dentro alla mia tomba
non ci sarà più il freddo e potrò
passeggiare senza paura di ammalarmi
mi siederò su una panchina
e leggerò tutti i libri che non ho ancora letto
Non ci sarà più neanche il Tempo
ed io resterò per sempre giovane

mi metterò lo smalto alle unghie
e legherò i capelli con i fili d’erba

Quando sarò dentro alla mia tomba
mi laverò l’anima con le parole
saranno loro le mie preghiere.


Cinzia Marulli, Itália, 1965

   A minha tumba

 Quando estiver dentro da minha tumba
 hei de sentar-me a olhar para o mar
 e esperarei até tornar-me pó
 então poderei escutar os discursos secretos
 e viajar para os lugares aonde nunca estive
 poderei falar com o vento
 e caminhar com as nuvens
 Irei a casa de todos os poetas e
 revistarei as suas gavetas

Quando estiver dentro da minha tumba
não haverá frio e eu poderei
 passear sem medo de adoecer
 hei-de sentar-me num banquinho
 e lerei todos os livros que ainda não li
Não existirá sequer o Tempo
 e eu ficarei jovem para sempre
pintarei as unhas com verniz
e atarei o cabelo com fios de ervas

Quando estiver dentro da minha tumba
 lavarei a minha alma com as palavras
 serão elas as minhas orações.
  
           (a tradução é minha)
                                          

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Das cifras e da identidade














Sou

Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada
.

Jorge Luis Borges, Argentina ( 1899- 1986)

terça-feira, 25 de agosto de 2015

«A qualidade do sangue»






                                              …O ar condensa-se sob o meu peso.

                                            Um fio de sangue escorre pelo rosto,
                                           que, reflectido no espelho, não parece o meu,
                                                           e provavelmente não é:
                                    quem sabe o que fica de um rosto, depois da morte?


                                                         Fátima Araújo (1955-2015)

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

... do desconhecido



Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas


Carlos Drummond de Andrade, Brasil (1902 -1987)



domingo, 23 de agosto de 2015

Buracos nas meias- ideias no carrapito






Maria de Lurdes Carrapito provou
- com a perspicácia e a frescura de estilo
 que a caracterizam-
que Fernando Pessoa não se preocupava
 excessivamente
 com os buracos que pudesse ter nas meias





 (cf. M. L. Carrapito, O Monge e o Hábito- Microleituras de Pessoa, Lisboa, Sapataria Camões).


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Poema do giz











THE POEM OF CHALK

On the way to lower Broadway
this morning I faced a tall man
speaking to a piece of chalk
held in his right hand. The left
was open, and it kept the beat,
for his speech had a rhythm,
was a chant or dance, perhaps
even a poem in French, for he
was from Senegal and spoke French
so slowly and precisely that I
could understand as though
hurled back fifty years to my
high school classroom. A slender man,
elegant in his manner, neatly dressed
in the remnants of two blue suits,
his tie fixed squarely, his white shirt
spotless though unironed. He knew
the whole history of chalk, not only
of this particular piece, but also
the chalk with which I wrote
my name the day they welcomed
me back to school after the death
of my father. He knew feldspar.
he knew calcium, oyster shells, he
knew what creatures had given
their spines to become the dust time
pressed into these perfect cones,
he knew the sadness of classrooms
in December when the light fails
early and the words on the blackboard
abandon their grammar and sense
and then even their shapes so that
each letter points in every direction
at once and means nothing at all.
At first I thought his short beard
was frosted with chalk; as we stood
face to face, no more than a foot
apart, I saw the hairs were white,
for though youthful in his gestures
he was, like me, an aging man, though
far nobler in appearance with his high
carved cheekbones, his broad shoulders,
and clear dark eyes. He had the bearing
of a king of lower Broadway, someone
out of the mind of Shakespeare or
Garcia Lorca, someone for whom loss
had sweetened into charity. We stood
for that one long minute, the two
of us sharing the final poem of chalk
while the great city raged around
us, and then the poem ended, as all
poems do, and his left hand dropped
to his side abruptly and he handed
me the piece of chalk. I bowed,
knowing how large a gift this was
and wrote my thanks on the air
where it might be heard forever
below the sea shell’s stiffening cry.
Philip Levine, EUA (1928-2015) 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Balancé
















éramos muitos a recusar muitas coisas:
eram muitos «os preconceitos  
as coisas supérfluas»  diziam
e muitos repetiam de fora para dentro
e da boca para fora…
 pouco depois
 - erro de cálculo sabemos- 
 éramos cada vez menos

depois ainda  
passou
o tempo
volveu -se outro
mudou
 tudo assentou -a poeira também-
 nas hostes  quase ninguém…

hoje refino com prazer  minha
praxis démodée  
de criança que ao amor obedece
de jovem que em ideal  desalinhado cresce
hoje soma- adulta  em autismo sou
 e balanceando sem tormento estou
 hoje só como se vê
  - «vem da praxis démodée»

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Andanças




airea zigorra bezain beltz bihurtzen den eta oinek zoladurara hiltzera irten baino lehen oin-zolak berriro asfaltatzen dituzten egun horietakoa da gaur
infernua hemen egon daiteke eta gu ez gara konturatzen
edo orduek
ohituraturik
kolapsatu eta gau bihurtutako eguzki-minbiziak erditu ahal dituzte

hala ere pentsa daiteke gure ibilera ez dela hemen amaitzen
eta errezel atzean itxaropena inoiz jarraituko ez dugun bide-erakuslea dela


Izaskun Gracia Quintana, ( Bilbao, 1977)




Hoje é um desses dias em que o ar se torna negro como um castigo e os pés asfaltam de novo as suas plantas antes de sairem para morrer no pavimento
é possível que esteja aqui o inferno e acabemos por não nos darmos conta
 ou que as horas
 amotinadas
 colapsem e dêem à luz cancros de sol feito noite

pesando tudo é natural pensarmos que não é aqui que acaba a nossa caminhada
e que detrás das cortinas a esperança se mostra guia que não temos de seguir nunca
                               ( a tradução, do espanhol,foi feita por mim )


























segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Barcos perdidos em terra...



Para Haza

De hoy en adelante Dios tendrá que incluir,
con el infinito poder que le hemos conferido,
en todas las biblias
una hoja que lleve por nombre fe de erratas,
y que esto dirá:
Hazareel, Azarel, y variantes,
nombre impuesto a varón o a hembra,
y que significa “bendición de Dios”, ha cambiado
precisamente de significado. Y por el poder
que me he conferido personalmente, y con ayuda
de todos los hombres de la tierra,
y de acuerdo a los estándares del alto lenguaje
de la modernidad, de la lógica y de la hermenéutica,
incluso desde el ámbito horoscópico,
Hazareel, Azarel, y variantes, habrá de significar
“Faro que devuelve a tierra los barcos perdidos”.
He aquí mi palabra, y que se cumpla.

Javier Chavelaz Reyes (México, 1992) 

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Euskal Poetak 2


MATERIAL CULTURE

Lurpean aurkitzen zaituztenean, hilotz,
esango dute hona hemen Homo Sapiens,
ez askoz gehiago.
Hara bizkarrezur segmentuduna,
pelbis zabal bat.
Hara garezur handia hagin txiki batzuekin.
Begiak aurpegiaren erdialdean
ikusmena handituz.
Batez bestekoa baino altuagoa:
metro eta hirurogeita hamar.
Agian museoren batera eramango zaituzte,
baina ez da izango
maitatzeko zenuen modu eder horregatik,
lotsatzean egiten zenuen keinu horregatik.
Ez dituzte aintzat hartuko zure
eskerrak emateko manera naturala,
esaldi enigmatikoak eta
belarrira errezitatzen zenizkidan
poema ingenuo haiek.
Gehienez ere esango dute
hona hemen Homo Sapiens Sapiens,
harro egoteko moduko motibo bat balitz bezala.

Beñat Sarasola (San Sebastián, 1984).




Cultura material

Quando te encontrarem debaixo da terra, já cadáver,
 dirão eis aqui o Homem Sapiens,
 não se alongarão  muito mais.
Eis aqui a coluna vertebral segmentada,
 uma bacia ampla.
 Vejam um crânio grande, com dentes diminutos.
 Os olhos no centro da cara
 para aumentar a visão.
 Mais alta do que a média
 um metro e setenta.
 Talvez te levem para um museu,
 mas não será
 por essa forma tão bela
 que tinhas de amar,
 por aquele gesto que fazias
 quando te envergonhavas.
 Não terão em conta o teu modo tão natural de agradecer,
 as frases enigmáticas e
 os poemas ingénuos
 que me recitavas ao ouvido.
 Quanto muito dirão,
 eis aqui o Homem Sapiens Sapiens,
 como se isso fosse

 motivo de orgulho.
    ( a tradução, do espanhol, é minha)

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Euskal poetak

urte ugari daramatzat bizkarrean itsatsita
infernurako zigorrak pilatzen ditut tximeleten hiltzaile amateurrak bezala
eta nire arimaz alferrik kezkatzen ziren horiek nire izenean egin zituzten otoitzak apurtzen ditut
galdurik nago
erbesteratua
inorena
eta horrela
lehertzen naiz

nire akatsezko izatea haragi azpian ezkutatuz

Izaskun Gracia Quintana ,Bilbao, 1977


 levo anos de pecados às costas
 acumulo penas no inferno qual assassino afeiçoado a mariposas
 e quebro os votos que em meu nome fizeram os que em vão se preocupavam com a minha alma
 estou perdida
 desterrada
 alheia
e como tal  
estilhaço

escondido debaixo da carne o meu ser feito de erros
                  ( a tradução, do espanhol, é minha)

Incêndios



             Urbana

Ninguém reparou na morte
 sua, dos animais, o pássaro, o cão,
 dóceis no desamparo,
 o prédio estalando
 sob a ruína da luz, massa
 que coze no forno rubro.

Ninguém reparava.


             Luís Quintais (1968)



sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Vestido ou nu?


 o vento agita
           o

            vestido de chita

                    da casa
                               da Rita
   
         
 descubro a parede nua- agora vestida de words...

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Ana Hatherly



Às vezes
 perigosamente
 as veias coagulam
 Não percebem:

viver é uma hemorragia calculada
 



Que mundo desmaiado é esse
 onde o final é
 um branco esquecimento?
 Com tímida audácia
florimos em nada




O poeta caminha por palavras
 bate em duros muros
 com um surdo rumor
 enterra-se no pó da língua