terça-feira, 29 de setembro de 2015
Viver / estar vivo
Com unhas e dentes
Estar vivo
é abrir uma gaveta
na cozinha,
tirar uma faca de cabo preto,
descascar uma laranja.
Viver é outra coisa:
deixas a gaveta fechada
e arrancas tudo
com unhas e dentes,
o sabor amargo da casca,
de tão doce,
não o esqueces.
Luís Filipe Parrado, 1968
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
O acto de ler
Acto de ler
O
acto de ler reabre feridas. Nos livros
em que isso acontece, com frequência,
poderia ao menos haver um aviso na capa;
assim como se faz com as carteiras de tabaco,
embora se saiba que poucos deixam
de fumar
por isso.
em que isso acontece, com frequência,
poderia ao menos haver um aviso na capa;
assim como se faz com as carteiras de tabaco,
embora se saiba que poucos deixam
de fumar
por isso.
Teresa
M G Jardim, ( s d )
sábado, 26 de setembro de 2015
Da natureza mineral da palavra escrita
in Psicologia da composição
VII
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.
É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.
É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.
João Cabral de Melo Neto, Brasil (1920-1999)
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
Ar
Com as polidas cintilações
das ondas eles enredam o mar
e aspam de brancura o voo das gaivotas
S. Alba, Os poetas,
1974 (p 74)
quarta-feira, 23 de setembro de 2015
Há Luz e luz
Sob
a luz feroz do teu rosto
Amar um leão usa-se pouco
porque
não pode afagá-lo
o nosso desejo de afagá-lo,
o nosso desejo de afagá-lo,
como
tantas vezes cão ou gato
aceitam-nos a mão a deslizar
sobre seu pêlo;
aceitam-nos a mão a deslizar
sobre seu pêlo;
amar
um leão não se devia,
agora que já não somos divinos,
quando a flauta que tudo
agora que já não somos divinos,
quando a flauta que tudo
encantaria,
gentes animais
pedras, nós a quebramos contra
a ventania; amar
pedras, nós a quebramos contra
a ventania; amar
um
leão é só distância: tê-lo ao lado,
não poder beijá-lo, o deserto
que habita em torno dele;
não poder beijá-lo, o deserto
que habita em torno dele;
era
mais certo amar um barco,
era mais fácil amar um cavalo;
amar um leão é não poder amá-lo;
era mais fácil amar um cavalo;
amar um leão é não poder amá-lo;
e
nada que façamos adoça
o que nele nos ameaça se
amar um leão nos acontece:
o que nele nos ameaça se
amar um leão nos acontece:
à
visão de nosso coração
ofertado, tudo nele se eriça,
seu desprezo cresce;
ofertado, tudo nele se eriça,
seu desprezo cresce;
amar
um leão, se nos matasse;
se nos matasse o leão que amamos
seria a dor maior, mais que esperada:
se nos matasse o leão que amamos
seria a dor maior, mais que esperada:
presas
patas fúria cravadas em nossa carne;
mas o leão, que amamos,
não nos mata.
mas o leão, que amamos,
não nos mata.
Eucanaã
Ferraz, Brasil, 1961
domingo, 20 de setembro de 2015
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
Outono
Otoño secreto
Cuando las amadas palabras cotidianas
pierden su sentido
y no se puede nombrar ni el pan,
ni el agua, ni la ventana,
y la tristeza ha sido un anillo perdido bajo nieve,
y el recuerdo una falsa esperanza de mendigo,
y ha sido falso todo diálogo que no sea
con nuestra desolada imagen,
aún se miran las destrozadas estampas
en el libro del hermano menor,
es bueno saludar los platos y el mantel puestos sobre la mesa,
y ver que en el viejo armario conservan su alegría
el licor de guindas que preparó la abuela
y las manzanas puestas a guardar.
pierden su sentido
y no se puede nombrar ni el pan,
ni el agua, ni la ventana,
y la tristeza ha sido un anillo perdido bajo nieve,
y el recuerdo una falsa esperanza de mendigo,
y ha sido falso todo diálogo que no sea
con nuestra desolada imagen,
aún se miran las destrozadas estampas
en el libro del hermano menor,
es bueno saludar los platos y el mantel puestos sobre la mesa,
y ver que en el viejo armario conservan su alegría
el licor de guindas que preparó la abuela
y las manzanas puestas a guardar.
Cuando la forma de
los árboles
ya no es sino el leve recuerdo de su forma,
una mentira inventada por la turbia
memoria del otoño,
y los días tienen la confusión
del desván a donde nadie sube
y la cruel blancura de la eternidad
hace que la luz huya de sí misma,
algo nos recuerda la verdad
que amamos antes de conocer:
las ramas se quiebran levemente,
el palomar se llena de aleteos,
el granero sueña otra vez con el sol,
encendemos para la fiesta
los pálidos candelabros del salón polvoriento
y el silencio nos revela el secreto
que no queríamos escuchar.
ya no es sino el leve recuerdo de su forma,
una mentira inventada por la turbia
memoria del otoño,
y los días tienen la confusión
del desván a donde nadie sube
y la cruel blancura de la eternidad
hace que la luz huya de sí misma,
algo nos recuerda la verdad
que amamos antes de conocer:
las ramas se quiebran levemente,
el palomar se llena de aleteos,
el granero sueña otra vez con el sol,
encendemos para la fiesta
los pálidos candelabros del salón polvoriento
y el silencio nos revela el secreto
que no queríamos escuchar.
Jorge Teillier, Chile (1935-1996)
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
terça-feira, 15 de setembro de 2015
Carta para o Avô Mariano
O mundo
já não era
um lugar de viver.
Agora,
já nem de morrer é.
( Avô Mariano)
Andamos por cá às voltas
assim anda o colectivo
cem ideias variadas
nos miolos enroladas
religião misto explosivo
tradição (r)evolução
e bolas de sabão
O que para um
indivíduo
bom e são seria já
nem sabemos tanto nos
dissolvemos
no outro
no «próximo» - ainda que longe esteja-
às vezes apenas mentalmente
e o suficiente
para esquecermos aquilo
que queremos e não vemos
na peleja
absurdamente descentrados
veremos quiçá entremente
a vida com seus «mistérios»
passar num ai de repente.
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
"Qué cosa es un alacrán"
EL ALACRÁN se movía en el charco como pez recién salido del agua.
Mis cuencas eran cavernas donde grano a grano,
se levantaba para flotar
el anciano polvo de los sueños,
como una sombra enorme que atraviesa en un esperma lo redondo del
cielo,
la respuesta fue antes que la pregunta
y el gemido un eco encarnado en mi gesto y su fuga,
al tiempo que una transpiración de amante ya dormido, me dormía,
y sólo un parpadeo era capaz de retener el perfume de la piel de
esa imagen, que llamé vida,
doliéndome en una herida cada vez más caliente.
Mudo, era yo la respuesta para cuál pregunta,
una puerta asombrada, abierta a todo el espacio que pueda existir
y la memoria como el vuelo de un pájaro hacia el olvido,
recorriendo pasillos veloces de luz y oscuridad,
hasta llegar a saber, ya sin memoria,
de dónde vienen esas voces, esos silbidos de tan todos los
tiempos,
y cada vez más parece que vienen de un sitio presentido,
que no será ni adentro, ni afuera,
sino el lugar donde todas las posibilidades se realizan,
cada vez más crees que esto es la muerte
y por dentro el alma es una nube que truena y suelta toda su agua,
mientras que por fuera el pensamiento se convierte en esa agua que
regresa,
y débil, absurda la pregunta… “qué cosa es un alacrán, qué cosa es
un alacrán”.
Ricardo Castillo (México, 1954)
domingo, 13 de setembro de 2015
A hidrângea e a palmeira
Do mero ser
A palmeira, onde a mente acaba,
Para lá do último
pensamento, ergue-se
Na distância de
bronze,
Um pássaro de penas
douradas
Canta na palmeira, sem sentido humano,
Sem sentir humano,
uma canção estrangeira.
Então tu sabes que
não é a razão
Que nos faz felizes
ou infelizes.
O pássaro canta. As
penas brilham.
A palmeira ergue-se à
beira do espaço.
O vento move-se nos
ramos lentamente.
Pendidas, oscilam as
penas do pássaro ornadas de fogo.
Wallace Stevens,
EUA, (1879-1955)
tradução de João Ferreira Duarte
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
No jardim
No jardim as árvores respiram
E as palavras falam.
Há letras que florescem
na espessura verde: as aves
abrem o seu corpo, resplandece
a voz que grita ao fundo
da memória depuradas sílabas
claras: logo se cala.
Stefano Strazzabosco (Itália,1964)
a tradução foi feita por mim
a tradução foi feita por mim
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
«História do Brasil»
Natureza
Morta
A esta fruita chamam Ananazes
Depois que sam maduras têm un cheiro muy
suave
E
come-se aparados feitos em talhada
E
assim fazem os moradores por elle mais
E os
têm em mayor estima
Que
outro nenhum pomo que aja na terra
Oswald de
Andrade, Brasil (1890-1954)
quarta-feira, 9 de setembro de 2015
Turismos
Japão turístico
Vendemos o
Fujiyama
Vendemos Miyadyima
Vendemos Nikko
Vendemos todo o Japão
Naruto e Aso
Vendemo-lo todo.
Venham, venham por favor.
Sabemos esfregar as mãos
e produzir sorrisos artificiais.
Muito, muito dinheiro, que maravilha!
Todos os japoneses compramos carros
Todos os japoneses gostamos de acendedores
Todos os japoneses somos bons jardineiros
Todos os japoneses cantamos boogie-woogie
Todos fazemos excursões
Todos somos honrados, Sim senhor!
Vendemos Miyadyima
Vendemos Nikko
Vendemos todo o Japão
Naruto e Aso
Vendemo-lo todo.
Venham, venham por favor.
Sabemos esfregar as mãos
e produzir sorrisos artificiais.
Muito, muito dinheiro, que maravilha!
Todos os japoneses compramos carros
Todos os japoneses gostamos de acendedores
Todos os japoneses somos bons jardineiros
Todos os japoneses cantamos boogie-woogie
Todos fazemos excursões
Todos somos honrados, Sim senhor!
Iku Takenaka
Aos humanos
que reclamam amor,
deitar- lhes- ia um mel envenenado
esse é
o meu desejo…
Akiko Yosano
a tradução, do espanhol, é minha
terça-feira, 8 de setembro de 2015
Não aparecer na televisão & etc...
Pour la flamme que tu allumes
Au creux d'un lit pauvre ou rupin
Pour le plaisir qui s'y consume
Dans la toile ou dans le satin
Pour les enfants que tu ranimes
Au fond des dortoirs chérubins
Pour leurs pétales anonymes
Comme la rose du matin
Thank you Satan
Pour le voleur que tu recouvres
De ton chandail tendre et rouquin
Pour les portes que tu lui ouvres
Sur la tanière des rupins
Pour le condamné que tu veilles
A l'Abbaye du monte en l'air
Pour le rhum que tu lui conseilles
Et le mégot que tu lui sers
Thank you Satan
Pour les étoiles que tu sèmes
Dans le remords des assassins
Et pour ce cur qui bat quand même
Dans la poitrine des putains
Pour les idées que tu maquilles
Dans la tête des citoyens
Pour la prise de la Bastille
Même si ça ne sert à rien
Thank you Satan
Pour le prêtre qui s'exaspère
A retrouver le doux agneau
Pour le pinard élémentaire
Qu'il prend pour du Château Margaux
Pour l'anarchiste à qui tu donnes
Les deux couleurs de ton pays
Le rouge pour naître à Barcelone
Le noir pour mourir à Paris
Thank you Satan
Pour la sépulture anonyme
Que tu fis à Monsieur Mozart
Sans croix ni rien sauf pour la frime
Un chien, croque-mort du hasard
Pour les poètes que tu glisses
Au chevet des adolescents
Quand poussent dans l'ombre complice
Des fleurs du mal de dix-sept ans
Thank you Satan
Pour le péché que tu fais naître
Au sein des plus raides vertus
Et pour l'ennui qui va paraître
Au coin des lits où tu n'es plus
Pour les ballots que tu fais paître
Dans le pré comme des moutons
Pour ton honneur à ne paraître
Jamais à la télévision
Thank you Satan
Pour tout cela et plus encor
Pour la solitude des rois
Le rire des têtes de morts
Le moyen de tourner la loi
Et qu'on ne me fasse point taire
Et que je chante pour ton bien
Dans ce monde où les muselières
Ne sont plus faites pour les chiens...
Au creux d'un lit pauvre ou rupin
Pour le plaisir qui s'y consume
Dans la toile ou dans le satin
Pour les enfants que tu ranimes
Au fond des dortoirs chérubins
Pour leurs pétales anonymes
Comme la rose du matin
Thank you Satan
Pour le voleur que tu recouvres
De ton chandail tendre et rouquin
Pour les portes que tu lui ouvres
Sur la tanière des rupins
Pour le condamné que tu veilles
A l'Abbaye du monte en l'air
Pour le rhum que tu lui conseilles
Et le mégot que tu lui sers
Thank you Satan
Pour les étoiles que tu sèmes
Dans le remords des assassins
Et pour ce cur qui bat quand même
Dans la poitrine des putains
Pour les idées que tu maquilles
Dans la tête des citoyens
Pour la prise de la Bastille
Même si ça ne sert à rien
Thank you Satan
Pour le prêtre qui s'exaspère
A retrouver le doux agneau
Pour le pinard élémentaire
Qu'il prend pour du Château Margaux
Pour l'anarchiste à qui tu donnes
Les deux couleurs de ton pays
Le rouge pour naître à Barcelone
Le noir pour mourir à Paris
Thank you Satan
Pour la sépulture anonyme
Que tu fis à Monsieur Mozart
Sans croix ni rien sauf pour la frime
Un chien, croque-mort du hasard
Pour les poètes que tu glisses
Au chevet des adolescents
Quand poussent dans l'ombre complice
Des fleurs du mal de dix-sept ans
Thank you Satan
Pour le péché que tu fais naître
Au sein des plus raides vertus
Et pour l'ennui qui va paraître
Au coin des lits où tu n'es plus
Pour les ballots que tu fais paître
Dans le pré comme des moutons
Pour ton honneur à ne paraître
Jamais à la télévision
Thank you Satan
Pour tout cela et plus encor
Pour la solitude des rois
Le rire des têtes de morts
Le moyen de tourner la loi
Et qu'on ne me fasse point taire
Et que je chante pour ton bien
Dans ce monde où les muselières
Ne sont plus faites pour les chiens...
Thank you Satan
Léo Ferré
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