quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Há Luz e luz



Sob a luz feroz do teu rosto

Amar um leão usa-se pouco
porque não pode afagá-lo
o nosso desejo de afagá-lo,
como tantas vezes cão ou gato
aceitam-nos a mão a deslizar
sobre seu pêlo;

amar um leão não se devia,
agora que já não somos divinos,
quando a flauta que tudo

encantaria, gentes animais
pedras, nós a quebramos contra
a ventania; amar

um leão é só distância: tê-lo ao lado,
não poder beijá-lo, o deserto
que habita em torno dele;

era mais certo amar um barco,
era mais fácil amar um cavalo;
amar um leão é não poder amá-lo;

e nada que façamos adoça
o que nele nos ameaça se
amar um leão nos acontece:

à visão de nosso coração
ofertado, tudo nele se eriça,
seu desprezo cresce;

amar um leão, se nos matasse;
se nos matasse o leão que amamos
seria a dor maior, mais que esperada:

presas patas fúria cravadas em nossa carne;
mas o leão, que amamos,
não nos mata.

Eucanaã Ferraz, Brasil, 1961



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