uma mulher solitária
sonha à janela
Que é feito de Enjo?
viveu a sua vida e agora
é como o mar de verão
Kikaku, Japão (1661-1707)
-a tradução, do francês, é minha-
uma mulher solitária
sonha à janela
Que é feito de Enjo?
viveu a sua vida e agora
é como o mar de verão
Kikaku, Japão (1661-1707)
-a tradução, do francês, é minha-
Paredes
brancas
encobrem minha
carcaça
No mundo
escuro,
Do qual me
escondo
A liberdade é
uma farsa
Um ideal
hediondo
Na ilusão do
impuro
As cores de
fora não sei
Se estou
certo,
por que
errei?
O claro do
"céu"
Envolveu-me no
véu
Do qual me não
separo.
De ferro a
corrente
Que prende a
minha mente
E que me
impede o amparo.
Candeeiro
vintage e artesão
De garrafa de
gin importado
Dando ao mal
iluminado
Do quarto,
pra quem
vê
a noção.
Bordalo II |
procuro quem
tem a chave
Inconsciente
da porta aberta
Lucas
Dobeck, Brasil, 1996
Sob a
chuva de primavera
uma bela rapariga
Issa, Japão
(1762-1826)
-a tradução, do francês, é minha-
Toda a gente
Eu
estava na paragem do autocarro
numa
dessas tardes, esperando
pelo
2. Um tipo
mais
velho esperava também.
Olhei-o
com atenção. Ele
captou
o meu olhar e arreganhou um sorriso
onde
faltavam alguns dentes. Queres
assinar
o meu casaco? disse ele.
Estendeu-me
logo uma caneta. Trazia
vestido
um casaco de lona imundo que
exibia
assinaturas por todo
o
lado, centenas delas, talvez
milhares.
Estou
a ver
se
apanho toda a gente,
disse ele.
Assinei. Na pequena
superfície
de um dos bolsos.
Por
vezes lembro-me:
sou
uma parte de um todo.
Marie
Sheppard Williams,
EUA (1931-2015)
(tradução de Luís
Filipe Parrado)
Pombos
Como
qualquer outro reino
o
reino dos pássaros
também
tem a sua multidão de pobres,
esses
pobres públicos e urbanos
cujos excrementos branqueiam
telhas e calçadas,
que picam e picam
(mas raramente escolhem)
o que os seus bicos encontram:
os detritos diários
das ricas cidades italianas
ou aqui, em redor do edifício da Câmara –
sempre pelos passeios
ofendendo as pessoas enojadas
que se dirigem a um qualquer lugar.
Ninguém
se lembra de como é que isto aconteceu,
o
seu declínio, o voo
quase abandonado,
esses
murmúrios queixosos,
as
colheitas nos baldes dos lixos.
Em
tempos foram elegantes e despreocupados;
chamavam
uns pelos outros com as suas vozes ricas e
profundas
e
nós tratávamo-los como aves nobres e delicadas
e
acolhíamo-los nos nossos jardins.
Lisel Mueller, EUA (1924-2020)
(tradução
de Luís Filipe Parrado)
O amor como sal
Jaz nas nossas mãos na forma de cristais
demasiado intrincados para a decifração
Vai para dentro da caçarola
sem ter havido um segundo
pensamento
Espalha-se tão finamente no chão
que o levamos nos pés para todo o lado
Carregamos uma pitada por detrás de cada globo ocular
Rebenta nas nossas frontes
Acumulamo-lo dentro dos nossos corpos
em odres secretos
Na sopa passamo-lo em volta da mesa
enquanto falamos de férias
e do mar.
Lisel Mueller, (1924-2020)
(tradução de Luís Filipe Parrado)
Guia-me até ao porto
onde o farol jaz
abandonado
e a lua range nas
vigas de madeira.
Deixa-me ouvir o vento chamar por entre as árvores
e ver as estrelas
irromperem, uma a uma,
como os rostos
esquecidos dos mortos.
Eu nunca fui capaz de rezar,
mas deixa-me
gravar o meu nome
no livro das ondas
e depois olhar intensamente a cúpula
de um céu que não
tem fim
e ver a minha voz
navegar pela noite dentro.
Edward Hirsch, EUA, 1950
(tradução de Luís Filipe Parrado)