domingo, 27 de junho de 2021

Verão no Japão


      Aguaceiro de verão

 uma mulher solitária

    sonha à janela


     Que é feito de Enjo?

 viveu a sua vida e agora

      é como o mar de verão

                                                             Kikaku, Japão (1661-1707)

                                                                              -a tradução, do francês, é minha-


 

sábado, 26 de junho de 2021

A chave

 

Paredes brancas 

encobrem minha carcaça

No mundo escuro, 

Do qual me escondo

A liberdade é uma farsa

Um ideal hediondo

Na ilusão do impuro

 

As cores de fora não sei

Se estou certo,

   por que errei?

O claro do "céu"

Envolveu-me no véu 

Do qual me não separo.

De ferro a corrente

Que prende a minha mente

E que me impede o amparo.

 

Candeeiro vintage e artesão

De garrafa de gin importado

Dando ao mal iluminado

                  Do quarto,

 pra quem vê 

                    a noção.

 

Bordalo II

Só quero me livrar da morte certa

procuro quem tem a chave

Inconsciente da porta aberta

 

Lucas Dobeck, Brasil, 1996




sexta-feira, 18 de junho de 2021

Chuva

         Sob a chuva de primavera

 uma bela rapariga

         solta um longo bocejo

 

Issa, Japão (1762-1826)

-a tradução, do francês, é minha-


 

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Uma parte do todo

     Toda a gente

 

Eu estava na paragem do autocarro

numa dessas tardes, esperando

pelo 2. Um tipo

mais velho esperava também.

Olhei-o com atenção. Ele

captou o meu olhar e arreganhou um sorriso

onde faltavam alguns dentes. Queres

assinar o meu casaco? disse ele.

Estendeu-me logo uma caneta. Trazia

vestido um casaco de lona imundo que

exibia assinaturas por todo

o lado, centenas delas, talvez

milhares.

                                          Estou a ver

se apanho toda a gente,

 disse ele.

                                         Assinei. Na pequena

superfície de um dos bolsos.

Por vezes lembro-me:

sou uma parte de um todo.

 

Marie Sheppard Williams, EUA (1931-2015) 

          (tradução de Luís Filipe Parrado)




domingo, 6 de junho de 2021

«Pombos»


 

Pombos

 

Como qualquer outro reino

o reino dos pássaros

também tem a sua multidão de pobres,

esses pobres públicos e urbanos

 cujos excrementos branqueiam

 telhas e calçadas,

 

 que picam e picam

 (mas raramente escolhem)

 o que os seus bicos encontram:

 os detritos diários

 das ricas cidades italianas

 ou aqui, em redor do edifício da Câmara –

 sempre pelos passeios

 ofendendo as pessoas enojadas

 que se dirigem a um qualquer lugar.

 

Ninguém se lembra de como é que isto aconteceu,

o seu declínio, o voo

 quase abandonado,

esses murmúrios queixosos,

as colheitas nos baldes dos lixos.

Em tempos foram elegantes e despreocupados;

chamavam uns pelos outros com as suas vozes ricas e

                                                                              profundas

e nós tratávamo-los como aves nobres e delicadas

e acolhíamo-los nos nossos jardins.

 

 Lisel Mueller, EUA (1924-2020)

         (tradução de Luís Filipe Parrado)

sábado, 5 de junho de 2021

«O amor como sal»

 

O amor como sal

 

Jaz nas nossas mãos na forma de cristais

demasiado intrincados para a decifração

 

Vai para dentro da caçarola

 sem ter havido um segundo pensamento

 

Espalha-se tão finamente no chão

que o levamos nos pés para todo o lado

 

Carregamos uma pitada por detrás de cada globo ocular

 

Rebenta nas nossas frontes

 

Acumulamo-lo dentro dos nossos corpos

em odres secretos

 

Na sopa passamo-lo em volta da mesa

 enquanto falamos de férias e do mar.

 

Lisel Mueller, (1924-2020)

(tradução de Luís Filipe Parrado)

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Marga e Juan

                                                            Marga Gil, escultora                                                                                       esta foto não é minha                         
 
 

ADOBE

Alguns têm de se avir
com não terem
mármore de Carrara
para as suas pietàs

Daniel Jonas

 

terça-feira, 1 de junho de 2021

"Eu nunca fui capaz de rezar"


Guia-me até ao porto

 onde o farol jaz abandonado

 e a lua range nas vigas de madeira.

 

Deixa-me ouvir o vento chamar por entre as árvores

 e ver as estrelas irromperem, uma a uma,

 como os rostos esquecidos dos mortos.

 

Eu nunca fui capaz de rezar,

 mas deixa-me gravar o meu nome

 no livro das ondas

 

e depois olhar intensamente a cúpula

 de um céu que não tem fim

 e ver a minha voz navegar pela noite dentro.

 

Edward Hirsch, EUA, 1950

(tradução de Luís Filipe Parrado)