andorinhas do anoitecer
os nossos corações
temem o amanhecer
há linhas de fogo
no quotidiano
instaladas
que
atravessam
vidas
cortam
pontes
destroem estradas
doravante
nem vós nos céus
podereis
voar descansadas
andorinhas do anoitecer
os nossos corações
temem o amanhecer
há linhas de fogo
no quotidiano
instaladas
que
atravessam
vidas
cortam
pontes
destroem estradas
doravante
nem vós nos céus
podereis
voar descansadas
(...) É facil estar sempre alterando o jogo
Variando o sentido
das regras ad libitum
ad hoc, ad gloriam, ad honores, ad nauseam
ad verbum, ad litteram, sine ira et studio
Pescando na excepção sempre outra coisa
Dando ditos por não
ditos, esquecendo o ter dito
Com toda a
simplicidade, sem má fé nenhuma
Só porque viver é
isto, uma salada de sucederes
E a gente é pouco, a
gente é assim mesmo, pequenos
E estamos sózinhos
habitando um saco de pele.
Mudamos vírgulas, corrigimos provas
Passamos inquietos
sobre as cristas volúveis
De inquietos ditongos,
alteramos as pautas
Lavamos as mãos em
sangue indelével...
Encerramos momentos-boda por garrafas gregárias
E o nosso rasto é um
eco pungente, fios de cheiro
Talhando contornos à
neblina, modelando fantasmas
Que ficam para trás
para que acreditemos
Que viver não foi
assim tão completamente inútil
E que ir vivendo não é nocivo, não é só irracional...
(...)
João Pedro Grabato Dias
(in Facto/Fado edição do autor, Porto, 1986)
fazem-se previsões
anunciam- se prazos
pairam ameaças
e culpabilidade
Especialistas emitem
abalizados pareceres
ouvidos com ansiedade
embora nem sempre iguais
No meio da confusão
somos então convidados
ora a ficar confinados
ora a participar
mais e mais
num movimento
que
não deve parar
o dos três erres
marchas pelo clima
greves
para o mundo melhorar
ou a nossa condição
A culpa nem é do mosquito
pois bem vamos é claro
a origem acredito
tem por nome
predação.
Anónimas fardas
onde o sangue
em verde cinza
coagulou
podres de abandono
sobre o teu corpo
que
de transtorno
mudo e calvo se
quedou;
a ti ainda se
encostam
esqueletos
carbonizados
das máquinas
que
num
vaivém
a
guerra sustém
És da ganância
refém
de homens em armas
Porém
Quem as fabrica quem
as encomenda
Quem as vende quem
compra mais
Quem as oferece também
Não sabemos bem…
queimada Terra-mãe
mas gostamos de em ti viver
em paz
- A guerra sempre existiu é
uma espécie de fatalidade,
rapaz,
fonte de progresso no entanto
aceleração da
história contudo…
- rapace desumanidade!
barbaridade total!
entre mentes horror …
fonte de riqueza
sobretudo
para os senhores da
guerra
a quem a morte apetece.
Certo-certo é morrermos todos
e esses
também-
-acontece…
Ó quanto aguentas Mãe- terra
enquanto o teu corpo esmorece.
Em vez de pássaros, o céu de Lisboa está infestado pelo
lento movimento das gruas que,
erguendo-se silenciosamente na vertical e na horizontal,
noite e dia constroem gaiolas grandes
para humanos abastados: primeira e óbvia reflexão- ovo de
Colombo, fruto da constatação…
Ao lusco-fusco esses monstros de metal invadem o fogo
amortecido pelas nuvens e tentam
alcançar a lua. Deixam-nos uns quadradinhos-qual rede lassa-pelos
quais podemos espreitar:
o céu já não nos pertence.
Entre o trabalho e a casa viajam os menos abastados; de
olhos fechados, tentam descansar;
têm à sua espera uma nesga entre as habitações aonde vão chegar e onde toscas tábuas e
instáveis telhas avançam, tapando-lhes a luz, privando-os do que de todos deveria ser.
Sob estes telhados, que são de zinco por vezes,
há vielas de terra batida ou, na melhor
das hipóteses, um pátio comum onde penduram a roupa e os filhos, ao regressarem da escola,
jogam à bola.
Logo, muitos deles acabam por procurar o céu em douradas igrejas,
que têm um pé direito
muito alto e uma abóbada iluminada por vitrais de variadas
cores.
Amanhecer
Quando a noite morreu no glaciar umas mãos jovens surgiram das nuvens, entraram no meu peito e
abriram as fechaduras das portas para que a luz do dia pusesse em fuga a treva. Já não quero continuar a
andar pelos campos a decifrar os mistérios pagãos das pedras, mas apenas descansar silencioso no
regaço fresco e matinal do páramo, olhando com olhos infantis as lágrimas alegres que verteu a noite
por ter dado à luz um dia tão formoso.
Einar Bragi, Islândia (1921-2005)
Quando andava na Faculdade de
Ciências, estudava astronomia, as leis
de Kepler, mas não andava de noite a
ver as estrelas e a Lua.
Quando andava na Faculdade de
Letras, estudava a cantiga de amigo
“Bailemos nós já todas três, ai amigas,/
só aquestas avelaneiras frolidas”, mas
não dançava.
A minha vida estava errada. Mas
estudar foi bom.
Não quero morrer, quero brincar.
Estou contente, deixo-me estar
acordada.
Este mundo está muito mal feito. Tem
as melhores coisas. Mas as más são tão
más que pesam mais do que as boas.
Não devia haver o sofrimento. O pior
de tudo é o sofrimento e a morte dos
queridos.
Um bule com uma rosa de cerâmica
dentro consola um bocadinho, dá
alento. Mas para as coisas muito tristes
não há consolação, há revolta.
Adília Lopes