quinta-feira, 7 de abril de 2022

Dá-me luz!

 

Em vez de pássaros, o céu de Lisboa está infestado pelo lento movimento das gruas que,

erguendo-se silenciosamente na vertical e na horizontal, noite e dia constroem gaiolas grandes

para humanos abastados: primeira e óbvia reflexão- ovo de Colombo, fruto da constatação…

Ao lusco-fusco esses monstros de metal invadem o fogo amortecido pelas nuvens e tentam

alcançar a lua. Deixam-nos uns quadradinhos-qual rede lassa-pelos quais podemos espreitar:

o céu já não nos pertence.

Entre o trabalho e a casa viajam os menos abastados; de olhos fechados, tentam descansar;

têm à sua espera uma nesga entre as habitações aonde vão chegar e onde toscas tábuas e

 instáveis telhas avançam, tapando-lhes a luz, privando-os do que de todos deveria ser.

    Sob estes telhados, que são de zinco por vezes, há vielas de terra batida ou, na melhor

das hipóteses, um pátio comum onde penduram a roupa e os filhos, ao regressarem da escola,

jogam à bola.

Logo, muitos deles acabam por procurar o céu em douradas igrejas, que têm um pé direito

muito alto e uma abóbada iluminada por vitrais de variadas cores.

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