Em vez de pássaros, o céu de Lisboa está infestado pelo
lento movimento das gruas que,
erguendo-se silenciosamente na vertical e na horizontal,
noite e dia constroem gaiolas grandes
para humanos abastados: primeira e óbvia reflexão- ovo de
Colombo, fruto da constatação…
Ao lusco-fusco esses monstros de metal invadem o fogo
amortecido pelas nuvens e tentam
alcançar a lua. Deixam-nos uns quadradinhos-qual rede lassa-pelos
quais podemos espreitar:
o céu já não nos pertence.
Entre o trabalho e a casa viajam os menos abastados; de
olhos fechados, tentam descansar;
têm à sua espera uma nesga entre as habitações aonde vão chegar e onde toscas tábuas e
instáveis telhas avançam, tapando-lhes a luz, privando-os do que de todos deveria ser.
Sob estes telhados, que são de zinco por vezes,
há vielas de terra batida ou, na melhor
das hipóteses, um pátio comum onde penduram a roupa e os filhos, ao regressarem da escola,
jogam à bola.
Logo, muitos deles acabam por procurar o céu em douradas igrejas,
que têm um pé direito
muito alto e uma abóbada iluminada por vitrais de variadas
cores.
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