Cante Alentejano
Nunca senti necessidade de fabricar um currículo nem de ter
um cartão de visita.
No verão passado apareceu-me o desejo de fazer um cartão em
que constasse: foi membro de um Concurso de Cantares Alentejanos realizado em
Beja em 1986.
Não me lembro de algo que me tenha dado tanto prazer como
esse convite, para tarefa de tanta responsabilidade. Engolidos os últimos
pruridos de consciência, e escorando-me na ideia que o principal era ter
sensibilidade à poesia alentejana e às vozes que a cantam, lá fui.
Como fazia frio nessa noite em Beja.
Muita gente enchia as ruas. Foram vinte e tal grupos
desfilando. Muitos membros do júri tremiam com aquele vento norte.
Das quatro notas máximas que atribuí, três corresponderam
aos três primeiros lugares. Senti- -me perdoado.
Dissera-me o médico que eu tinha um coração forte. Tirei a
prova: fui capaz de continuar vivo após ter ouvido vinte e tal grupos corais
alentejanos.
Perdi-me do autocarro, e como pacífica lua viajava, e como a
magia que há pouco inundara as ruas levaria muito tempo a passar, e como
desejava ver a planície sob essa lua, pus-me a pé, estrada fora, de volta a
Odemira. Não chegaria a pé, o autocarro apanhou-me em Aljustrel, tendo chegado
ali numa carrinha que andava à procura do Grupo dos Mineiros, do qual também se
perdera.
Deodato Santos, O Eco, (Crónicas Alentejanas), Associação de
Municípios do Distrito de Beja,1989
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