O tempo circular
há uma fotografia de ruy belo
e há também aquela praia muito ténue de “não há morte
nem princípio”
ou há uma fotografia do meu pai numa
beira-mar de moçambique
sentado com um outro que nunca soube
quem era, óculos escuros – a mocidade
– esse outro
o meu pai olhando o mar para lá do
fotógrafo como se o fotógrafo
e
agora
quem vê a fotografia segurando-a
com a mão vindoura
como se não existissem
não existíssemos mas que fosse minha
também
aquela praia onde ruy belo
ainda não usava barba e cabelo à ruy belo
à
allen ginsberg (gente que já morreu
gente vindoura)
tudo gente que habitou longamente
em algum momento uma praia
uma praia
que eu sei que há e que aconteceu
também quando eu morri
quando eu também fui jovem
e poeta numa fotografia ou num reflexo
de garrafa
a minha imagem
à beira de um verão segurando
desde o peito a vida
Miguel- Manso, Quando escreve descalça-se, Trama Livraria, Lx, 2008
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