sábado, 31 de outubro de 2015

Uma pausa




(...) Vou-me vendo melhor. Não procuro o repouso
 Procuro inquietamente uma pausa. Não é igual.
 Vivo da confusão porque nada é tão simples
 Nem tão humano como deixar-me ir no arraste
 Entre lodos, recifes e algas arbóreas.

  Se procurasse o repouso repousaria, pousaria
 Todo o peso da cabeça num penedo de musgo
 Apascentando um rebanho de cães, atentos por mim
 Controlando um débito parco de ideias sucessivas
 Pautadas por um apenas perceptível ritmo solar
 Por um vale plano entre duas ribeiras.

 Mas sou marinho e montês. Golfinho e cabra.
 Todo o meu ritmo é de água até à água.
 Corro entre pedras, precipito-me, remanso
 Serpenteio gargalho separo-me resumo-me
 Participo na onda na nuvem na chuva
 E, como sempre, cíclico! Visto que
 Toda a confusão tende ao ciclo.

Só o repouso é linear, ausente de cristas
 Daí que a morte seja justamente aquele eterno repouso
 E nascer, vir do nada, explique muito bem
 Esta saudade inexplicável do repousar
 Transportada no dorso póstumo de cada acção.(...)

João Pedro Grabato Dias, in facto/fado , ed do autor, Porto,1986

Sem comentários: