segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

«Pensamento de Março»



March thought

I am waiting for the flowers
To come back:
I am alone,
But I can wait for the birds.


 Hilda Conkling (EUA, 1910-1986)



sábado, 27 de fevereiro de 2016

Água



Foto de foto de autor desconhecido

Water


The world turns softly
Not to spill its lakes and rivers.
The water is held in its arms
And the sky is held in the water.
What is water,
That pours silver,
And can hold the sky?

 Hilda Conkling (EUA, 1910-1986)


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

AFO(LI)RISMOS


AFO(LI)RISMOS
     (excertos)

Nas casas demasiado silenciosas
 os móveis falam sozinhos.

 Algumas portas fecham-se com tal estrépito
 que parece que jamais se poderão abrir de novo.

 As palmeiras envergonham-se, cada vez mais,
 de se terem convertido em árvores místicas.

 O deus Pã morreu. O pânico, porém, persiste.

Iço as velas do teu corpo
e parto nele para o mar.

Artur Lundkvist, Suécia, (1906-1991)


      (tradução de Ana Hatherly )





quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Teias

REDE

Rede estendida por uma aranha
 E nela uma borboleta embalada.

 Sepultada na sua auréola dourada
 Morre.
        Como essa borboleta
 Eu, subindo à rede do teu amor
 Embalado, iria para a morte.
 Embalado.

Horiguchi Daigaku, Japão, (1892-1981)


     (trad. José Alberto Oliveira)








terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Estrelas



Tudo o que vês chega de longe: apenas um contorno
 ou  uma sombra que se desloca devagar. Há gestos
 semelhantes a folhas que não caem. Principia agora
 a luz a espalhar-se à nossa volta e a verdade torna-se
 mais simples. É como um rosto que reconhece a sua idade.


Fernando Guimarães, 1928



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Opiniões: os jovens poetas portugueses






Os jovens poetas portugueses têm um lado undergroud.
Detestam poemas com palavras como «mar» ou «amor». Não gostam de pieguices, de lirismos. Gostam de dizer «caralho» nos poemas. São muito ousados, os jovens poetas portugueses. Mas suicidam-se pouco. Mascaram-se de Rimbaud no Carnaval. E detestam poetas de gravata e poetisas de brinco.


Filipa Leal, (1979), in Pelos Leitores de Poesia

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Até onde?



FILEIRAS DE LETRAS I

Fileiras de letras, pequenas colunas volúveis,
 formigas omnívoras,

 agarradas ao sentido e à emoção.

 Negras cadeias
 até onde?

 As sombras invertidas trespassam as ondas,
 os espelhos do vazio
 até onde?

Um parêntese de tempo no tempo.

 A curva do verso propaga luz e imagina obscuridades
 nos quatro costados.
 Até onde?

 Cada vez mais velozes partem os mundos
 os corvídeos versos alados.

 Há tanta lonjura no sopro
 de seus leques pretos e brancos


 até onde?

Zhivka Baltadzhieva, Bulgária (1947)

        ( a tradução, do inglês, é minha)




sábado, 20 de fevereiro de 2016

Triste tristeza



Rondeau LXII

Source de plour, riviere de tristece,
Flun de doulour, mer d'amertume pleine
M'avironnent et noyent en grant peine
Mon pauvre cuer qui trop sent de destresce.

Si m'affondent et plungent en asprece;
Car parmi moy cuerent plus fort que Saine
Source de plour, riviere de tristece.

Et leurs grans floz cheent a grant largece,
Si com le vent de Fortune les meine,
Tous dessus moy, dont si bas suis qu'a peine
Releveray, tant durement m'oppresse
Source de plour, riviere de tristece.



Christine de Pisan, França (1363-1431)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Metamorfoses



Ovídio olha o Danúbio

A água irresoluta flui lenta
 até ao Mar Negro-até ao Ponto.

 Resta pouco.

 A planície dos dois lados é um pêssego
 cortado

 e o declive do rio
 parece ser a origem, a costela do devir,
 a lanceta fria.

Tudo é forma,
 tudo informe
 
e  impiedoso.


 Zhivka Baltadzhieva, Bulgária (1947)

  ( a tradução, do inglês, é minha)




quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Contar / Cantar


Conta-me um conto

É tarde, falta aprender a deitar fora a madeira da alma,
a não contaminar os animais com o vírus
das metáforas sombrias. Falta talvez ser tarde,
mas o homem expulsou-se do paraíso
e cresceram-lhe orelhas para escutar a morte.
Como pode olhar de frente o rosto da criança,
com que sol se senta ao sol das maravilhas?
Fala comigo um pouco mais. Ainda há passos
que não demos, há trilhos que os cigarros deixaram
para nós, há migalhas de pão pelos caminhos
e talvez seja a hora de fazer com elas umas migas,
de pedir ao mágico que tire do chapéu um vinho
graduado, um coronel meio surdo a quem a Alice
perguntará as horas ou o capuchinho chamará “avó”.
Antes de sermos definitivamente comidos pelo lobo
escuta como se aproxima o próximo poema.

Rosa Alice Branco, in Soletrar o dia

Edições Quasi, 2002


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

1516 - 2016 : 500 anos após «Utopia»

por Hans Holbein, o jovem






Thomas More (1478-1535)








«...Em primeiro lugar, os príncipes cuidam somente da guerra (arte que me é desconhecida e que não tenho nenhum desejo de conhecer). Eles desprezam as artes benfazejas da paz. Trate-se de conquistar novos reinados, e todos os meios lhes parecem bons; o sagrado e o profano, o crime e o sangue, não os detêm. Em compensação, ocupam-se muito pouco de bem administrar os Estados submetidos à sua dominação....»

«... No entanto, bastar-lhe-ia olhar os romanos, os cartagineses e muitos outros povos antigos. Que benefícios tiraram, entretanto, de seus exércitos imensos e sempre em pé de guerra? A devastação de suas terras, a destruição de suas cidades, a ruína de seu império....»

excertos de Utopia


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Batidas que se eternizam...


Canção de bater no chão

Nasce o sol trabalhamos.
Põe-se o sol descansamos.
Cavamos um poço, para beber,
Lavramos um campo, p’ra comer:
O Imperador e o seu poder
– Queremos lá saber!


Anónimo, China (datada do século III a. C)

 in Uma antologia de poesia chinesa, por Gil de Carvalho






domingo, 14 de fevereiro de 2016

Domingo



entro lentamente por tus venas
hasta inundar
todos los rincones de tu cuerpo
rescato tu nombre milenario
en cada arteria
te pierdo y me encuentro
en la profundidad de tu mirada
sin compañía alguna
invado tus pulmones
y vivo
y me recreo
con el aire que respiras
avanzo por debajo de tu piel
y organizo con exactitud
el metabolismo de tus penas
y tu cuerpo se convierte
en la zona sagrada de mi vida.
sin embargo,
hoy es mañana
y mañana será nunca.

María Emilia Cornejo, Perú (1949-1972)

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Areia


Em frente
 da folha de papel

 em cima do que foi
 a vida até aí

Dia 8
os jogos olímpicos deviam ser
 para todas as idades
 eu gostava de ter
 o record olímpico da minha
e aproveitar a areia dos saltos
 para sair em grande
 pela porta
 de um concurso de praia.


Nuno Moura, 1970



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Avenida (da Liberdade?)




AS PUTAS DA AVENIDA


Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucena

vi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena

essa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorena

mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena



Fernando Assis Pacheco, 1937-1995

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Mãos- tempo



Il y eut, jadis, une main
 pour nous conduire à la vie.

Un jour y aura-t-il une main
 pour nous conduire à la mort?

 Tu n’as plus de mains. Tu dors.

On meurt de ses propres mains
 (On meurt sans mains)

Tel l’oiseau dans le nid,
 ma tête est dans ma main.
 L’arbre resterait à célébrer,
 si le désert n’était partout.

À l’univers s’accroche encore
 l’espérance du premier vocable;
 à la main, la page froissée.
Il n’y a de temps que pour l’éveil.


Edmond Jabès, Egipto/França,  (1912-1991)