domingo, 29 de maio de 2016

« Mar Aberto»



Sou marinheiro de amor,
E em seu pélago profundo
Navego, sem ter espe’rança
De encontrar porto no mundo.

E vou seguindo uma estrela,
Que brilha no céu escuro,
Mais bela e resplandescente
Que quantas viu Palinuro.

Eu não sei aonde me guia,
E a navegar me costumo,
Mirando-a com alma atenta,
Cuidoso, mas não do rumo.

Recatos impertinentes,
Honestidade no apuro,
São as nuvens que ma encobrem,
Quando mais vê-la procuro.

Límpida e lúcida estrela,
Só teu clarão me conduz!
Extingue-se a minha vida,
Em se extinguindo a tua luz.

                                              M de Cervantes, Espanha, (1547-1616), in D. Quixote 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

«O grito de dignidade dos estivadores»


O grito de dignidade dos estivadores

Esqueçam o contrato de cinco anos, de um ano ou de seis meses. Esqueçam até o contrato mensal. Tive a oportunidade de conversar com um estivador que trabalha há oito anos com contratos por turno de oito horas. O velho e conhecido trabalho à jorna. No Porto do Pireu, na Grécia, a entrada de uma empresa chinesa no mercado tornou as condições de trabalho numa selva absoluta. E é isto que se deseja generalizar. Foram as greves e os perigos de agitação social que garantiram o fim-de-semana, as férias pagas, o contrato mais seguro, os horários de trabalho, a impossibilidade de despedir de forma discricionária, a licença de parto, o fim do trabalho infantil... A única forma de destruir tudo isto é pôr os trabalhadores a pensar como se fossem patrões. Inculcar-lhes o espírito do mordomo que apesar de não ter lugar à mesa acredita ser da casa. E é por isso que a greve dos estivadores, que nos prejudica a todos e a eles também, é um grito de dignidade (...)

Daniel Oliveira, in Jornal Expresso de 25.05.2016, às 18h00





segunda-feira, 23 de maio de 2016

Co incidências especulares


Existe un retrato anamórfico de Carlos I de Inglaterra, realizado por una mano anónima en 1660. Si se levanta el cilindro reflejante que concentra y compone  en su medida exacta el melancólico rostro del rey, queda una mancha distorsionada, la imagen en estado líquido. Pero hay algo más. En el centro de la pintura aparece un cráneo desnudo: un frío recordatorio de que, al final de la guerra civil, el monarca fue decapitado en el helado mediodía del 30 de enero de 1649, por dictamen de un parlamento manipulado por Oliver Cromwell. Cromwell, como dictador, murió en 1658. El día de su funeral, majestuoso, pero vacío, tan sólo los perros le lloraron, según el reporte de un testigo. Y sírvanos aún la memoria para recordar que el 30 de enero de 1661, justo 12 años después de la ejecución del rey, el cadáver de Cromwell fue exhumado, colgado y decapitado públicamente. Su cabeza se expuso en lo alto de un poste en Westminster Hall hasta 1685. Después siguió un largo camino en el que, convertida ya en un bulto de cuero negruzco, la cabeza llegó a ser exhibida como atracción de feria en 1779 a cualquiera que pagara el precio de 2 chelines y seis peniques.


                                          Gaspar Orozco, México (1971)

sábado, 21 de maio de 2016

La Lyre


À Ronsard

Ô maître des charmeurs de l’oreille, ô Ronsard,
J’admire tes vieux vers, et comment ton génie
Aux lois d’un juste sens et d’une ample harmonie
Sait dans le jeu des mots asservir le hasard.

Mais, plus que ton beau verbe et plus que ton grand art,
J’aime ta passion d’antique poésie
Et cette téméraire et sainte fantaisie
D’être un nouvel Orphée aux hommes nés trop tard.

Ah ! Depuis que les cieux, les champs, les bois et l’onde
N’avaient plus d’âme, un deuil assombrissait le monde,
Car le monde sans lyre est comme inhabité !

Tu viens, tu ressaisis la lyre, tu l’accordes,
Et, fier, tu rajeunis la gloire des sept cordes,
Et tu refais aux dieux une immortalité.


Sully Prudhomme, França (1839- 1907)



quinta-feira, 12 de maio de 2016

Canção da água


CANÇÂO DA ÁGUA

Lua brilhante, estás assim tão longe de nós?
 Com a taça na mão, interrogo o céu.
Ó lua, diz-me, no teu universo
 que dia é, em que ano estamos, e o porquê?
 Gostaria de levantar voo, levado pelo vento.
 Mas tenho medo de que, nos dédalos do seu sopro
 o meu corpo possa ser trespassado pelo frio.
 Danço para fazer que de mim nasça a sombra, uma silhueta.
 Mas a vida é melhor na terra, e eu choro.
 Sobre os leitos carmesins, sob as telhas coloridas
 é lentamente que o sono chega.
Seria preciso não lamentar
 o que decepcionou o nosso coração.
Como a enchente e a vazante,
 como as marés da alegria
 a lua, do plenilúnio à lua nova
 é essa perfeição imóvel
 o que é e o que não é.
 E nós, aqui em baixo, pedimos
 a vida longa, e o amor,
 que não caminham juntos.


Sou Che, China (1036 -1101)

                                                                                      ( traduzido por mim - do francês )     

terça-feira, 10 de maio de 2016

As Flores


The Flowers

Consider the flowers: true only to the earth,
yet we lend them a fate, from the borders of fate,
and supervise their fadings, their little deaths.
How right that we should author their regret:

everything rises–and yet we trudge along,
laying our heavy selves upon the world.
What wearisome teachers we are for things!
While the earth dreams on in its eternal childhood.

But if someone took them into infinite sleep,
lay down with them… how lightly he would waken
to the strange day, out of the common deep–

or perhaps he’d stay: stay until they weakened,
and took him in as one of their own kind,
a meadow-brother, a breath inside the wind.


Don Paterson, Escócia (1963)

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Ervas loucas da primavera


Todos os diversos
           os difíceis nomes
                  das ervas loucas da primavera

         Shadô, Japão, (1641-1716)

               ( a tradução, do francês, é minha)