terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Noites há...


POEMA  IV

Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.

Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde 
E só o nosso nome estava certo.

Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.



Natália Correia

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Regressões em curso


Fascina- me e alimenta-me a beleza- mesmo quando testemunha e se insurge contra a opressão!

Entraram os chineses no ano do galo.

Vejamos o que nos dizia,  há muitos séculos , um dos poetas - que de galo teria pouco, certamente- sobre as mulheres suas contemporâneas:


 WOMAN

How sad it is to be a woman!!
Nothing on earth is held so cheap.
Boys stand leaning at the door
Like Gods fallen out of Heaven.
Their hearts brave the Four Oceans,
The wind and dust of a thousand miles.
No one is glad when a girl is born:
By her the family sets no store.
When she grows up, she hides in her room
Afraid to look at a man in the face.
No one cries when she leaves her home—Sudden as clouds when the rain stops.
She bows her head and composes her face,
Her teeth are pressed on her red lips:
She bows and kneels countless times.
She must humble herself even to the servants.
His love is distant as the stars in Heaven,
Yet the sunflower bends towards the sun.
Their hearts are more sundered than water and fire—A hundred evils are heaped upon her.
Her face will follow the years changes:
Her lord will find new pleasures.
They that were once like the substance and shadow
Are now as far from Hu as from Ch'in [two distant places]
Yet Hu and Ch'in shall sooner meet
That they whose parting is like Ts'an and Ch'en [two stars]


Fu Xuan ou Fu Hsiuan, China (217 d. C -278 d. C)



escultura de Maria Pascoal






quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

América do Sul


Marilyn Monroe ascendiendo a los cielos

 Gloriosamente
 ebria del gozo de vivir 
de ser amada
 hasta por el más íngrimo varón
 sobre la Tierra
 el aire que levanta tu vestido
 soplando desde la reja del Averno
 en el corazón de Manhattan
 todo el amor del mundo 
en tus semicerrados ojos sonrientes
 y la encendida rosa de tu boca 
modulando un infinito beso

 Con ese esbelto pie
 con esas bellas piernas
 aguzadas las rodillas espléndidas
 entraste al reino de lo inolvidable
 Qué manera tan grácil de ser perfecta y Única

 /Norma Jean en capullo/

 Marilyn mariposa ascendiendo a los cielos.


Carlos Eduardo Jaramillo, Equador (1932 )


terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Ave canora


O ROUXINOL

Não se repete nunca
o rouxinol.
O seu canto vai mudando
enquanto canta,
vai mudando de voz,
testa sequências,
deixa falar o silêncio,
responde-lhe,
solfeja, silva, glissa,
multiplica, gorjeia,
ponteando a noite
com a sua música.

A sua música estrelada.


Jesús Munárriz, Espanha (1940)


       (trad. Jorge Sousa Braga)



domingo, 22 de janeiro de 2017

Para Virginia Woolf

Sentada a la orilla de un río me puse a pensar lo que las palabras quieren decir
A Virginia Woolf

No creo que dos personas hayan sido más felices
de lo que fuimos tú y yo
Aún recuerdo tu pregunta de niño bobo
¿por qué atardeces tan de día, Virginia?

Bajo un árbol en Rodmell, Sussex
ya me siento una sola
me sé una sola
me escribo en una única palabra
:
nombres de las ciudades que atraviesa el Ouse

No eran piedras
eran obstinaciones las que llevaba en los bolsillos
pequeños corazones que palpitaban por todo lo que fuimos
eran sueños tan pesados que hicieron que los pilares
se quebraran

Era una enorme catedral que no se soportaba
Profundas raíces que nunca tuve
se quitaron sus máscaras y de pronto
la gran novela se había escrito y yo me borraba

Qué fácil es extraviarse cuando se busca una en otro mundo
una comienza diciendo Había una vez un cuarto propio
y los pilares son usados para sostener ese Había

Pero quién gusta de pisar la tierra
cuando puede boyar tranquilamente en las olas del sueño

Querido:
Sentada a la orilla de un río
me puse a pensar lo que las palabras quieren decir

Me pregunto si sumergida
ahogando la respiración
el dolor es menos

Las piedras que cargo en los bolsillos
son ya todo lo que soy

Querido:
Cuando chocas dos piedras sumergida en el río
escuchas el dolor ahogado de las piedras   que vivas de muerte    cantan
podrás ignorarlas pero están allí
sometidas al destino de tus manos
sintiendo el experimento de dolor que quieres que otros sientan
que el mundo sienta

Entonces comienza a faltarte el aire
tus pulmones desesperados     se colapsan
y recuerdas      al fin
que hasta ahora      en cada gota
en cada ducha
en cada vaso
siempre habías estado coqueteando con el agua


Roselbet Toledo Mayoral , México (1991)

sábado, 21 de janeiro de 2017

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Odessa


 de BAILANDO EM ODESSA

...Numa cidade governada conjuntamente por pombas e corvos, as pombas cobriam o distrito central e os corvos o mercado. Um menino surdo contou os pássaros que havia no pátio do seu vizinho e obteve um número de quatro dígitos. Marcou esse número em si. O meu segredo: com quatro anos de idade fiquei surdo. Quando perdi a audição, comecei a ver vozes. Num eléctrico cheio de gente, um homem que tinha só um braço disse-me que a minha vida estaria misteriosamente ligada à história do meu país. E todavia o meu país desapareceu; os seus cidadãos combinam encontros em sonhos para realizar eleições. O homem não descreveu as suas caras, só alguns nomes: Rolando, Aladino, Sindbad.(...)


                                   Ilyá Kamínsky, Ucrânia (1977)
                                                                     ( traduzido por mim- do espanhol)    

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Congelados

                               A SECÇÃO DOS CONGELADOS
Truncadas, indefinidas, passam
na memória como filmes mudos
pequenas histórias de amor
carnal. Os grandes caudais da noite
sempre desaguam na tarde salobra
e rasa: Janeiro amolece a tinta
das paredes, levamos à rua uma cara
mais fechada, e depois, na secção
dos congelados, não sabemos distinguir
o que sentimos além do frio que represa
as coisas todas: caminhamos sós

num privado bosque, convocamos
sombras que foram perdendo o nome,
sinais que não transportam já
um sentido automático de desejo
ou sofrimento. E contudo, à revelia
das certezas que não quiséramos ter,
acabamos sempre por tornar
às mesmas ruas, à noite insone
e imensa, onde nos dói descobrir,
na companhia dos outros,
o quanto nos reclama a solidão.


Rui Pires Cabral (1967)


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Filmes



WONG KAR-WAI

Como se perguntasse o teu 
nome, e um eco de mim 
respondesse 
que não existes 

e me apetecesse morrer 
mesmo assim à tua porta. 

Como se no banco de trás de um táxi 
não seguisses comigo para a morte, 
nem tivesses no meu colo pousada 
a tua cabeça, 
no teu rosto branco o batom aceso, 
e o azul dos olhos como um espelho 
debruçado sobre a noite 
ou luz de navio perguntando por terra 
mas passando ao largo.



Rui Lage (1975)



domingo, 15 de janeiro de 2017

Raparigas movendo-se


POEMA AO MOVIMENTO

 Numa curva, de repente, elas surgiram:
 duas moças,
 duas gazelas
 que corriam,
 que bailavam,
 pelo espanto,
 pelo nada
 que era ter a vida intacta.
 Tão solenes,
 tão elásticas,
 ritmadas,
 tão iguais,
 que apenas pareciam
 duas idas que seguiam
 e duas vindas que voltavam.
 Puros símbolos da existência

 unorgânica renovada.

 Ladjane Bandeira, Brasil





« A desaparecida»


THE SEARCHERS

 Cavalos lançados
 A galope.
 Uma porta que se abre, uma
 Porta que se fecha, uma
 Menina erguida na água de um destino,
 Exultante,
 O tilintar das esporas no ar, furtivo,
 Da memória, passo a passo, os cavalos
 Lançados a galope.
 O barulho da carne quando
 Parte.


Gil de Carvalho (1954)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Na despedida

PRAISE SONG FOR THE DAY

A Poem for Barack Obama’s Presidential Inauguration

Each day we go about our business, 
walking past each other, catching each other’s 
eyes or not, about to speak or speaking. 

All about us is noise. All about us is 
noise and bramble, thorn and din, each 
one of our ancestors on our tongues. 

Someone is stitching up a hem, darning 
a hole in a uniform, patching a tire, 
repairing the things in need of repair. 

Someone is trying to make music somewhere, 
with a pair of wooden spoons on an oil drum, 
with cello, boom box, harmonica, voice. 

A woman and her son wait for the bus. 
A farmer considers the changing sky. 
A teacher says, Take out your pencils. Begin. 

We encounter each other in words, words 
spiny or smooth, whispered or declaimed, 
words to consider, reconsider. 

We cross dirt roads and highways that mark 
the will of some one and then others, who said 
I need to see what’s on the other side. 

I know there’s something better down the road. 
We need to find a place where we are safe. 
We walk into that which we cannot yet see. 

Say it plain: that many have died for this day. 
Sing the names of the dead who brought us here, 
who laid the train tracks, raised the bridges, 

picked the cotton and the lettuce, built 
brick by brick the glittering edifices 
they would then keep clean and work inside of. 

Praise song for struggle, praise song for the day. 
Praise song for every hand-lettered sign, 
the figuring-it-out at kitchen tables. 

Some live by love thy neighbor as thyself, 
others by first do no harm or take no more 

than you need. What if the mightiest word is love? 

Love beyond marital, filial, national, 
love that casts a widening pool of light, 
love with no need to pre-empt grievance. 

In today’s sharp sparkle, this winter air, 
any thing can be made, any sentence begun. 
On the brink, on the brim, on the cusp, 

praise song for walking forward in that light.


 Elizabeth Alexander, EUA, 1962



segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Astrónomos sem telescópio

«Well, I'm your Venus,

I'm your fire at your desire.»




Já se afasta o sol 
 num céu despovoado
 e branco como lençol
há um ponto a brilhar
   um desejo de calor
que se não pode calar  
e se a noite não viesse
 e o corpo resolvesse
  viver?
 Último vestígio de luz
 do dia que vai morrer
   Vésper 
 planeta que sempre arde
está muito perto da terra
é a minha estrela da tarde









 

domingo, 8 de janeiro de 2017

Vénus




VÊNUS PENSATIVA

 Perfil desenhado entre céu e mar,
 Recolhe a mão esquerda o úmido cabelo
 E os seios também meditam pequeninos:
 Amplos pensamentos que o horizonte recolhe
 Na asa aberta de pássaro ao crepúsculo.
 Tecida a beleza de silêncio e espumas
 Vênus pensativa que brisa alguma
 Toca de incerteza.


 Dora Ferreira da Silva , Brasil (1918-2006)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Agulha, linha e tesoura


Linha e agulha

Dar incessantemente corpo
A paixões sem corpo
A estrelas mortas
Que cobrem  a vista de luto

Paul Éluard, França (1895-1952)


      ( a versão/tradução é minha)

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Brava!


     Autodefinición

Soy Teresa Wilms Montt
y aunque nací cien años antes que tú,
mi vida no fue tan distinta a la tuya.
Yo también tuve el privilegio de ser mujer.
Es difícil ser mujer en este mundo.
Tú lo sabes mejor que nadie.
Viví intensamente cada respiro y cada instante de mi vida.
Destilé mujer.
Trataron de reprimirme, pero no pudieron conmigo.
Cuando me dieron la espalda, yo di la cara.
Cuando me dejaron sola, di compañía.
Cuando quisieron matarme, di vida.
Cuando quisieron encerrarme, busqué libertad.
Cuando me amaban sin amor, yo di más amor.
Cuando trataron de callarme, grité.
Cuando me golpearon, contesté.
Fui crucificada, muerta y sepultada,
por mi familia y la sociedad.
Nací cien años antes que tú
sin embargo te veo igual a mí.
Soy Teresa Wilms Montt,
y no soy apta para señoritas.


Teresa Wilms Montt, Chile (1893-1921)


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Pergunta


   A chuva e as nuvens que tudo escurecem
         serão idênticas
                                  às do ano passado?

domingo, 1 de janeiro de 2017

Dádiva inesperada


De vez em quando
   caem balões
no chão por onde
        passo:
 de um lindo azul
este
 usa também laço.