A Sombra
É pequena de mais para ser um bêbado dormindo.
É uma sombra na rua que não é costume estar naquele lugar.
Embora saiba que nesta rua as sombras são autónomas.
Desço e dirijo-me para lá agarrando-me às paredes. É a
cabeça de um cavalo de olhos abertos.
A Solidão
A solidão movendo o espaço como a vela do moinho, moendo o
tempo como as suas mós, mastigando a vida como o moleiro o palito entre os
dentes: era branca: como a farinha como a parte visível dos seios da neta do
moleiro tomando banho no litoral, ou ainda branca como a erótica espuma que a
lambia.
Montava serenamente um burro, dirigia sem palpitações o seu
olhar sobre o que havia: que era diverso e eterno: e para não ser denunciada
vestia-se como noiva:
a solidão brincando
de enganar-se a si própria.
Deodato Santos, O Eco, 1989