quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A Sombra e Branca brincalhona


A Sombra
É pequena de mais para ser um bêbado dormindo.
É uma sombra na rua que não é costume estar naquele lugar.
Embora saiba que nesta rua as sombras são autónomas.
Desço e dirijo-me para lá agarrando-me às paredes. É a cabeça de um cavalo de olhos abertos.

A Solidão
A solidão movendo o espaço como a vela do moinho, moendo o tempo como as suas mós, mastigando a vida como o moleiro o palito entre os dentes: era branca: como a farinha como a parte visível dos seios da neta do moleiro tomando banho no litoral, ou ainda branca como a erótica espuma que a lambia.
Montava serenamente um burro, dirigia sem palpitações o seu olhar sobre o que havia: que era diverso e eterno: e para não ser denunciada vestia-se como noiva:
   a solidão brincando de enganar-se a si própria.
 
Deodato Santos, O Eco, 1989

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