Como quem sorve a primeira
brisa da terra, ainda intactas
as areias sobrevoadas pelas aves,
começo a percorrer os Livros,
a decifrar as mãos mais nuas do que quando
nasci, a orla
da escrita e do silêncio, na
aridez quiromântica;
O olhar da Serpente
dardeja nas margens, como a transpi
ração ácida das mulheres corrói os
tecidos, empesta o ar,
e entoo na desolação da manhã uma canção
antiga e nua,
cantam-se os territórios onde
alastrou a guerra e o sangue,
a vergonha e o medo;
Como quem serve um servo, a arrogância da servidão e da fome,
começo a levantar retábulos de
silvas nas margens da
página,
as estremas da intimidade pública,
palavra a palavra nos
lugares da disputa e da usura,
a sofreguidão demencial do ar, os
sobressaltos;
Como quem levanta retábulos de palavras, canção a canção,
para que as silvas lhe bordem a
pronúncia e as tamareiras se
ericem de açúcar solar e resina,
para que as bocas se atafulhem de terra
junto ao mar, na
partilha da arrogância;
Oh amazonas, oh suicidas, oh escravos do olhar
e da fome,
oh mendigos do ar e da luz, quem
vos trouxe pela mão;
quem vos conduziu o ódio e a destreza;
quem vos armou a
voz e os gestos;
quem vos abandonou na margem da solidão e
da Casa?
Jorge Fallorca (1949-2014), A cicatriz do ar, Algures 2009
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