terça-feira, 24 de março de 2015

«fogo movido pelo ar dentro»


  no mundo há poucos fenómenos do fogo,
  ar há pouco,
  mas quem não queria criar uma língua dentro da própria língua? 
eu sim queria,
 o tempo doendo, a mente doendo, a mão doendo,
 o modo esplendor do verbo,
 dentro, fundo, lento, essa língua,
 errada, soprada, atenta,
 mas agora já nada me embebeda,
 já não sinto nos dedos a pulsação da caneta,
 a idade tornou-me louco,
 sou múltiplo,
 os grandes lençóis de ar sacudidos pelo fogo,
 noutro tempo eu cobria-me com todo o ar desdobrado,
 havia tanto fogo movido pelo ar dentro,
 agora não tenho nada defronte,
 não sinto o ritmo,
 estou separado, inexpugnável, incógnito, pouco,
  ninguém me toca,
  não toco.

  Herberto Helder , A faca não corta o fogo 



   Haiku

  Ardendo de amor
 as cigarras cantam;
  mais belos porém 
  são os pirilampos
  cujo mudo amor

 lhes queima os corpos.

(                       (versão de Herberto Helder)









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