quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Aparições





Uma flor?

Dir-se-ia uma flor. Não é uma flor.
Dir-se-ia uma bruma. Não é uma bruma.
Chega  à meia- noite
 Parte de manhã.

Vem como um sonho de primavera
que se apaga ao despertar.
 Vem como uma nuvem da manhã.

Não a encontrareis em parte alguma.

Po Kiu Yi, China (772-846)

(traduzido, do francês, por mim)    

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Cinnamomum verum

                                                 Passada que foi a Taprobana,


Não me temo de Castela
donde inda guerra não soa;
mas temo-me de Lisboa,
que, ao cheiro desta canela,
o Reino nos despovoa

Sá de Miranda


Garcia de Orta descreve a caneleira como uma árvore do tamanho da oliveira possuindo “duas cortezas” como os sobreiros e o leitor teria de visualizar à sua maneira dado que ainda não havia desenhos ou gravuras fidedignas.


Meu pratinho de arroz doce
polvilhado de canela;
Era bom mas acabou-se
desde que a vida me trouxe
outros cuidados com ela.

António Gedeão

Escorre o gengibre e o mel
Sedas porcelanas
Pimenta e canela
Recebendo ofertas
De músicas suaves
Em nossas orelhas (...)

Fausto

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Arte poética




arte poética

 Iludir os alarmes,
 as câmaras de segurança,
 a paranóia infravermelha.
 Entrar com os pés descalços,
 avançando rente ao solo,
 o coração no sítio certo.
 Não ter pressa, fugir só
 no último segundo, nunca
 pela saída de emergência.


José Mário Silva, 1972



domingo, 24 de janeiro de 2016

7 Naves e Cais




CAIS


Quando o mar tem pés p'ra andar 
E as ondas só vêm chatear
Lá do fundo do mar imundo imenso sais
Oh! Neptuno e as tuas sereias sensuais 
Vendes no cais

Quando um barco se está para afundar
E só esses ratos não o quiserem abandonar
Quando a maré negra chegar
E não houver ninguém pr'ó crude limpar 

Lá do fundo do mar imundo imenso sais 
Oh! Neptuno e as tuas sereias sensuais 
E vendes o cais

Se o pescado morre ao lado
Se ainda se ama o mar salgado
Então é ver no cinema se ainda há lodo no cais
se o mercado impera e somos todos iguais
Muito cuidado quando escorregas sempre cais

Lá do fundo do mar imundo imenso sais 
Oh! Neptuno e as tuas sereias sensuais 
Vendes o cais

Se o pescado morre ao lado
Se ainda se ama o mar salgado
Então é ver no cinema se ainda há lodo no cais
Se o mercado impera e vais sempre longe demais
Muito cuidado quando escorregas sempre cais

Se o mercado emperra e somos todos iguais
Atenção cuidado voltas ao cais


                                                             
                                      Texto(s) / letras de Rui Reininho- GNR

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

« Approximately Forever »



Approximately Forever

She was changing on the inside
it was true what had been written


The new syntax of love
both sucked and burned


The secret clung around them
She took in the smell


Walking down a road to nowhere
every sound was relevant


The sun fell behind them now
he seemed strangely moved


She would take her clothes off
for the camera



she said in plain english
but she wasn’t holding that snake


Carolyn D. Wright, EUA, (1949-2016)



quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Absoluto




NIGHTS AND YEARS

the days of hell arrive on schedule,
ahead of schedule.
and the nights of hell.
and the years of hell.
hell gnawing away like a rat
in your belly.
hell inside.
hell outside.
these poor words,
tossed into hell,
punched silly, sent
running.
I walk outside into the
night,
look up.
even the palm tree shriek
in agony.
the world is being pounded
by a senseless
force.
I go inside, shut the
door.
at this machine,
I write these words for
nobody.
the sun is dead.
the day is dead,
the living are dead.
only hell lives
on.


 Charles Bukowski , EUA, (1920-1994), in Bone Palace Ballet 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Relatividade


Relativity
            for Stephen Hawking

When we wake up brushed by panic in the dark
our pupils grope for the shape of things we know.

Photons loosed from slits like greyhounds at the track
reveal light’s doubleness in their cast shadows

that stripe a dimmed lab’s wall – particles no more –
and with a wave bid all certainties goodbye.

For what’s sure in a universe that dopplers
away like a siren’s midnight cry? They say

a flash seen from on and off a hurtling train
will explain why time dilates like a perfect

afternoon; predicts black holes where parallel lines
will meet, whose stark horizon even starlight,

bent in its tracks, can’t resist. If we can think
this far, might not our eyes adjust to the dark?


Sarah Howe, (Hong Kong, 1983)


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Águas- vivas



ALFORRECA

Visível, invisível,
             um encanto flutuante,
 uma ametista tingida de âmbar
             habita-a, o teu braço
 aproxima-se e ela abre-se
              e fecha-se; tinhas decidido
 apanhá-la e ela treme;
              abandonas a tua intenção.


Marianne Moore, EUA, (1887-1972)






MEDUSAS

Como vós oh infelizes cabeças
 de roxas cabeleiras
 não há coisa que mais me agrade
 do que dançar no meio da tempestade

Guillaume Apollinaire, França, (1880-1918)

( a tradução dos 2 poemas é de Jorge Sousa Braga )

domingo, 17 de janeiro de 2016

Touros



Touro

Este, não sendo culpado,
Quanto mais arde é ferido
o fogo e quanto mais, mais ardido.
mais parece touro
 Gil Vicente – Farsa chamada auto das fadas

Quanto mais aberta
a ferida
mais é inimigo

Quanto mais deitado
o touro
mais parece morto

Quanto mais é ferido
cai
com sangue demais

Quanto mais o ferem
o touro
mais se torna fogo

Fiama Hasse Pais Brandão, Obra Breve, Assírio e Alvim




sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Ilhas ( suite...)





"As ilhas, sussurra para si mesma Anna W.
 com a alma cheia de culpa e de impotência,
 as ilhas são os lugares dos obsessivos e dos obstinados,
 sítios onde voltam a germinar manias mortas como líquenes em pátios onde não bate o sol.
 Nas ilhas há horizonte mas não há saída."


[De "Passos Perdidos", o novo romance de Paulo Varela Gomes, nas livrarias em Fevereiro.]
                                                          Edições tinta-da-china




  ... e  “as Ilhas Afortunadas são uma lenda medieval. Por vezes o nome é associado a ilhas maravilhosas que teriam existência real e chegavam até a estar indicadas nos mapas náuticos; outras vezes referiam-se declaradamente a ilhas que podiam ser vistas pelos mareantes mas nunca alcançadas. Provavelmente a lenda foi sugerida por fenómenos atmosféricos que provocavam miragens de terras inexistentes no meio do mar.











   

    

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

María Sabina




Poema de María Sabina

Soy la mujer que sólo nací.
Soy la mujer que sola caí.
Soy la mujer que espera.
Soy la mujer que examina.
Soy la mujer que mira hacia adentro.
Soy la mujer que mira debajo del agua.
Soy la nadadora sagrada
porque puedo nadar en lo grandioso.
Soy la mujer luna.
Soy la mujer que vuela.
Soy la mujer aerolito.
Soy la mujer constelación huarache.
Soy la mujer constelación bastón.
Soy la mujer estrella, Dios
porque vengo recorriendo los lugares desde su origen.
Soy la mujer de la brisa.
Soy la mujer rocío fresco.
Soy la mujer del alba.
Soy la mujer del crepúsculo.
Soy la mujer que brota.
Soy la mujer arrancada.
Soy la mujer que llora.
Soy la mujer que chifla.
Soy la mujer que hace sonar.
Soy la mujer tamborista.
Soy la mujer trompetista.
Soy la mujer violinista.
Soy la mujer que alegra
porque soy la payasa sagrada.
Soy la mujer piedra del sol.
Soy la mujer luz de día.
Soy la mujer que hace girar.
Soy la mujer del cielo.
Soy la mujer de bien.
Soy la mujer espíritu
porque puedo entrar y puedo salir

en el reino de la muerte.

México, (1894-1985)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Cisnes



Cisne
Esta ave segue um extremo
No extremo do coração que canta contra razão
cantar quando mata o coração
não tem razão
Gil Vicente, Farsa chamada auto das fadas


Quando acaba o coração
não tem o canto
razão


Quando o canto ao cantar
mata
o coração


é porque vai contra o canto
a razão
do coração

Fiama H. Pais Brandão, (1938-2007)



Vieira Portuense 1798


Para a Fiama, que não gosta de cisnes e que escreveu “Cisne

(O cisne persegue a Fiama no quintal
a Fiama persegue o cisne no poema
sarada a mão direita da poetisa
a poetisa pode escrever sobre o cisne
(de ódio de cisne e de ócio de Fiama
se faz a literatura portuguesa
minha contemporânea)
depois a Fiama persegue o cisne no quintal
durante um quarto de hora
e o cisne persegue a Fiama no poema
pela vida fora)

Ana Hatherly, (1929-2015)












Leda and the Swan

A sudden blow: the great wings beating still
Above the staggering girl, her thighs caressed
By the dark webs, her nape caught in his bill,
He holds her helpless breast upon his breast.

How can those terrified vague fingers push
The feathered glory from her loosening thighs?
And how can body, laid in that white rush,
But feel the strange heart beating where it lies?

A shudder in the loins engenders there
The broken wall, the burning roof and tower
And Agamemnon dead.
                                  Being so caught up,
So mastered by the brute blood of the air,
Did she put on his knowledge with his power
Before the indifferent beak could let her drop?


W B Yeats (1865-1939)









domingo, 10 de janeiro de 2016

Tecnologia do kota: acata só!...


SERÃO DE MENINO
na noite de breu
ao quente da voz
de suas avós,
meninos se encantam
de contos bantos...
"Era uma vez uma corça
dona de cabra sem macho...
... Matreiro, o cágado lento
tuc... tuc... foi entrando
para o conselho animal...
("- Tão tarde que ele chegou!")
Abriu a boca e falou -
deu a sentença final:
"- Não tenham medo da força!
Se o leão o alheio retém
- luta ao Mal! Vitória ao Bem!
tire-se ao leão, dê-se à corça."
Mas quando lá fora
o vento irado nas fresta chora
e ramos xuaxalha de altas mulembas
e portas bambas batem em massembas
os meninos se apertam de olhos abertos:
- Eué
- É casumbi...
E a gente grande -
bem perto dali
feijão descascando para o quitande-
a gente grande com gosto ri...
Com gosto ri, porque ela diz
que o casumbi males só faz
a quem não tem amor, aos mais
seres buscam, em negra noite,
essa outra voz de casumbi
essa outra voz - Felicidade...
Viriato da Cruz, Angola, (1928-1973)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Palavras, para que vos quero?


"...this is very much connected with the ability or indeed propensity of human
beings to hide their real thoughts and feelings, to project versions of
themselves that are partial or misleading, and to deceive each other."

"Our fundamental tactic of self-protection, self control and self definition
  is not spinning webs or building dams ( like spiders and beavers) but telling
stories, and more particularly connecting and controlling the story we tell

others - and ourselves - about who we are."

Ian McEwan, Inglaterra, 1948




sábado, 2 de janeiro de 2016

Assombrações ( ler em Voz alta )





The Voice

Woman much missed, how you call to me, call to me,
Saying that now you are not as you were
When you had changed from the one who was all to me,
But as at first, when our day was fair.

Can it be you that I hear? Let me view you, then,
Standing as when I drew near to the town
Where you would wait for me: yes, as I knew you then,
Even to the original air-blue gown!

Or is it only the breeze, in its listlessness
Travelling across the wet mead to me here,
You being ever dissolved to wan wistlessness,
Heard no more again far or near?

Thus I; faltering forward,
Leaves around me falling,
Wind oozing thin through the thorn from norward,
And the woman calling.


Thomas Hardy, Inglaterra, (1840- 1928)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Horologia



  Cronografia

 sombra sol
água azeite areia
 astros
 isocronia
pêndulo parede
 mesa bolso pulso
 atómico
 despert a dor
dos 10 000 anos
do Longo Agora