quinta-feira, 30 de novembro de 2017

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

"His master's voice"


      A voz do dono

Although I’m not Nipper
 I’ve followed his voice
 for too long
 Too much long the tunes of
 this voice
 made my body tremble
 lead me to the best and
 the worst in me
 but I always knew
 I was not this dog:
 I never barked I never
 came back to lick  or shake
 hands even
 even when my body and soul
 were lost in

his voice’s vibrations.

domingo, 26 de novembro de 2017

O amor é um género literário?


O amor é um género literário

Pensei em escrever-te como se não existisse
 ainda o feminismo. Como se o nosso tempo
 não fosse o fim do século, nem ninguém conhecesse
 a igualdade dos sexos, nem causasse estranheza
 ouvir que te dissesse que o amor que eu sinto
 por ti nunca poderias senti-lo tu por ninguém.
 Talvez o amor seja apenas literatura
 que muda com o tempo. Eu suponho que nós
 não amamos como Shakespeare, nem Shakespeare como Dante,
 nem Dante como Safo, nem Safo como ninguém.

Carlos Martínez Aguirre, Espanha, 1974

        ( tradução de Joaquim M. Magalhães)


sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Procuram-se mulher e neve de ontem- F Villon

Ballade des dames du temps jadis

Dites-moi où, dans quel pays,
Est Flora la belle Romaine,
Archipiades, et Thaïs,
Qui fut sa cousine germaine,
Echo, parlant quant bruit on mène
Dessus rivière ou sur étang,
Qui beauté eut surhumaine ?
Mais où sont les neiges d’antan ?


Où est la très sage Héloïse,
Pour qui fut châtré puis fait moine
Pierre Esbaillart à Saint-Denis ?
Pour son amour eut cette peine.
Semblablement, où est la reine
Qui commanda que Buridan
Fût jeté dans un sac en Seine ?
Mais où sont les neiges d’antan ?


La reine Blanche comme un lis
Qui chantait à voix de sirène,
Berthe au grand pied, Béatrice, Alice,
Haramburgis qui tint le Maine,
Et Jeanne, la bonne Lorraine
Qu’Anglais brûlèrent à Rouen ;
Où sont-ils, où, Vierge Souveraine ?
Mais où sont les neiges d’antan ?


Prince, ne demandez cette semaine
ni cette année, où elles sont ;
Je vous ramène à ce refrain :
Mais où sont les neiges d’antan



François Villon, França (1431- 1463)

Nota: Archipiades é o único homem, entre as mulheres mencionadas.


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Maledicência


Balada das línguas maldosas

Em rosalgar, em pedra arsenical,
em enxofre, em salitre e em cal viva,
em chumbo que a ferver rói mais brutal,
em sebo e pez junto a lixívia activa
de mijo de judia cagativa,
lavaduras de pernas de gafado,
raspaduras de pés, botim furado,
sangue de cobra e drogas venenosas,
fel de texugo, lobo e zorra dado,
sejam fritas as línguas mais maldosas.

Em miolos de gato a pescar mal,
preto, velho e sem dentes na gengiva,
de cão velho que valha por igual,
raivoso pela baba e a saliva,
no espumar da mula ofegativa
que rasoiras bem fino têm talhado,
n’água onde os ratos hão afocinhado,
rãs e sapos e bichas perigosas,
lagarto e serpe e aves de tal costado,
sejam fritas as línguas mais maldosas.

Em sublimado ao toque só fatal,
e no umbigo de uma cobra viva,
em sangue seco em malga barbeiral
à lua cheia, vista que é nociva,
que ora é negro, ora verde mais que oliva,
em tumor, pús, e tanque emporcalhado
onde dessanguam amas sujo atado,
em lavagens de fêmeas amorosas
(quem não sabe, em bordéis não é versado)
sejam fritas as línguas mais maldosas.

Senhor, passai depois cada bocado,
se tamiz, saco ou filtro haveis falhado
pelo fundo de bragas pegajosas;
mas antes, dos suínos no cagado
sejam fritas as línguas mais maldosas.

François Villon, França (1431- desaparecido em 1463) 
            ( tradução de Vasco Graça Moura)

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Sobre anjos


(...) Ao dizer anjo não se é generoso
 nem retórico, sem mais,
 entende-se, apenas, que o mundo é imperfeito
 mas que há rastos, sinais, rostos
 de outra realidade que o saturnal invoca.
 Ao dizer anjo pede-se morte, proclamando vida.
 Ao dizer anjo-  é certo – designamos o inumano,
 o resplendor celeste de singulares humanos
 que existem, e não existem, eleitos.

Luis António de Vilhena, Espanha (1951)


     ( a tradução é de José Bento)



terça-feira, 21 de novembro de 2017

Gotas de água



       Apaziguando o espírito
no coração da cidade
     um arremedo de chuva

                  Eu e Hôsha

       

domingo, 19 de novembro de 2017

Flutuando para sempre

The Falling Man

Doscientas personas
saltaron de las altas torres

De todas ellas
sólo nos interesará
un hombre

Su vuelo sostenido
hace olvidar
que el tiempo existe
que el suelo existe

Qué reconfortante pensar en un muerto

que flota para siempre.


 Estefanía Angueyra, Colombia (1992)


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

A humidade: 1º fragmento


    ( Quatro fragmentos de “ A Humidade” )

1.

Se eu tivesse necessidade de ti, ilha, chamar-te-ia Terceira
Pico ou Corvo. A diferença abissal dos nomes corresponde
à diferença do fundo e da superfície. Poderia porventura
comer laranjas sentado num dorso de baleia? Reduzi
a imaginação aos contornos exactos da ilha vista de longe.
Aqui pus-me a pensar na insinceridade que é
falar das coisas que pertencem à profundidade do oceano.
                                                                                        Porque,
haverá alguma razão na coabitação dos corvos e gaivotas,
                                                                      mesmo provisória?
Não, digo. Os elementos estão segregados do seu campo; “ilha”
funciona como imagem irredutível. Eis porque me abandonei
ao naufrágio. Eis porque os nomes não constituem tábuas
                                                                                   de salvação.
E finalmente eis o que de útil tem o poema.


                        J. H. Santos Barros (1946-1983)



quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Na parede


A parede

E, realmente, o quê?
 Que concluíste?
 A vida é densidade.
 E quanto mais espuma,
 tu lá dentro, mais osso, mais pequeno.
 Agachado estás, quer-se dizer.

Mas não saltarás. Não é isso. Agachado
 quer dizer tranquilo,
 esperando os óleos,
 as vazias palavras da morte.
 E não é serenidade
 nem altura.
 Tu nada conquistaste,
 - não queiras pretendê-lo - nem fizeste,
 rio tranquilo, obscuro, prateado,
 pelos desfiladeiros, as gargantas,
 os remansos.
 Não. Já divagámos.
 És tua densidade, esta consciência
 da tua sombra, a sombra de tuas mãos
 na parede. Agora.

César Simon, Espanha ( 1932-1997)


     ( a tradução é de José Bento)

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Em busca do tempo apagado

                          Para todos aqueles que,
         como forma de protesto ou de reivindicação,
 efectivam uma interrupção voluntária e colectiva
                 de actividades e funções
                    - para que o seu trabalho seja valorizado.

                      Dicionário Priberam e eu


Límpidas Palavras


Eram límpidas palavras:

 eram insectos perfeitos
 que não passavam por larvas;

eram águas em corrente
 fruídas logo à nascença
 no entremeio das fragas;

eram jovens diligentes
 que sabiam como os lábios
 ardiam antes da fala


João Rui de Sousa, 1928

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Da faca na pêra








            Ao descascar uma pêra –
ternas gotas
           deslizam pelo gume da faca


Shiki, Japão (1867-1902)


             (traduzido, do francês, por mim)







segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Kuekue: lentidão


kuekue

nda’a kue yutú kusi inia tsi tachi
tachi ñaa xitaà ini yíví
nda’a ita ñaá kooyo
rii tsiniyu ñaá  ndi’í
ndusu i’ná ku’ú yu’ú
ñaá yaava nuú yosò
ñaá kutsi tunìì
takua maa sana iniyu
nchií kuú


lentitud

hojas  que se  alegran con el viento
hálito que arrastra mi existencia
pétalos que se deshojan
al final un espejismo
conjuro mágico de mi voz
se esparce por los valles
huellas impregnadas
para no olvidar  mi ser profundo

 Celerina Patricia Sánchez Santiago, México, 1967.

       pertence à cultura Ñuu savi. 







domingo, 12 de novembro de 2017

"Chamateia"


o país é o lugar íntimo
 o que vejo é a geografia

 /pertencer?

 pertença quem não vê!/

Leonardo



sábado, 11 de novembro de 2017

Para memória futura

Quase Verão.






 Ouriços com castanhas.





Jeropiga e
  castanhas sem ouriços.




 São Martinho não
       compareceu.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

"Brebeatles"

 LES BREBEATLES


Dans le zoo de Liverpool,
entre Abbey Road et Penny Lane,
on peut admirer la laine
de quatre ovins dans le vent.
Ce sont les brebeatles,
yeah, yeah, yeah.
Les brebeatles ont les poils longs,
et bêlent de jolies chansons :
« Imagine qu’il n’y ait pas d’enclos,
pas de gardien, et pas de zoo»,
et avec eux, les animaux
font « Obladi » et « Oblada ».
Les brebeatles mangent tant d’herbe
qu’ils croient parfois voir dans le ciel
Lassie avec des diamants.
Ce sont les brebeatles,
yeah, yeah, yeah.

Hervé le Tellier, França, in Anthologie

                                           de l’OuLiPo


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Canto arrefecido


Na amenidade da noite o frio
    instala-se
                    lentamente
 existimos
   cada qual no seu canto
    adivinhando
 o Outro
 acordado

   na friúra do seu canto



domingo, 5 de novembro de 2017

Traça(s)


A nudez tece
 na roupa
 a traça
 a traça
 devora na roupa
 a nudez:
 a escrita tem
 o destino
 das traças:
 só depois
 se revelam rotos
 os tecidos
 do mundo

leonardo




sábado, 4 de novembro de 2017

Balas

Gonçalo Mabunda

a bala dos poemas que desferes no peito dos outros
 termina o seu trajecto no teu próprio coração


leonardo


sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Para a Catalunha (e não só...)

 XXIV

 Si et criden a guiar
un breu moment
del mil·lenari pas
de les generacions,
aparta l’or
la son i el nom.
També la inflor
buida dels mots,
la vergonya del ventre
i dels honors.
Imposaràs la veritat
fins a la mort,
sense l’ajut
de cap consol.
No esperis mai
deixar record,
car ets tan sols
el més humil
dels servidors.
El desvalgut
i el que sofreix
per sempre són
els teus únics senyors.
Excepte Déu
que t’ha posat
dessota els peus
de tots.
                      

Salvador Espriu in A Pele de Touro


XXIV

Se te chamam a guiar
um breve momento
do caminhar milenário
das gerações,
afasta o oiro,
o sono e o nome.
Também a pompa
vã das palavras,
a vergonha do ventre
e das honrarias.
Imporás
a verdade
até à morte,
sem a ajuda
de nenhum consolo.
Não esperes nunca
deixar lembrança,
porque és apenas
o mais humilde
dos servidores.
O desvalido
e o que sofre
sempre serão
os teus únicos senhores.
Excepto Deus,
que te pôs
debaixo dos pés
de todos.

(tradução, do catalão. de Manuel de Seabra)
Salvador Espriu, Catalunha (1913-1985)

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Excerto do nada



(...) Ô DC8 des Pélicans
Cigognes qui partent à l'heure
Labrador Lèvres des bisons
J'invente en bas des rennes bleues
En habit rouge du couchant
Je vais à l'Ouest de ma mémoire
Vers la Clarté vers la Clarté

Je m'éclaire la Nuit dans le noir de mes nerfs
Dans l'or de mes cheveux j'ai mis cent mille watts
Des circuits sont en panne dans le fond de ma viande
J'imagine le téléphone dans une lande
Celle où nous nous voyons moi et moi
Dans cette brume obscène au crépuscule teint
Je ne suis qu'un voyant embarrassé de signes
Mes circuits déconnectent
Je ne suis qu'un binaire

Mon fils, il faut lever le camp comme lève la pâte
Il est tôt Lève-toi Prends du vin pour la route
Dégaine-toi du rêve anxieux des biens assis
Roule Roule mon fils vers l'étoile idéale
Tu te rencontreras Tu te reconnaîtras
Ton dessin devant toi, tu rentreras dedans
La mue ça ses fait à l'envers dans ce monde inventif
Tu reprendras ta voix de fille et chanteras Demain
Retourne tes yeux au-dedans de toi
Quand tu auras passé le mur du mur
Quand tu auras outrepassé ta vision
Alors tu verras rien

Il n'y a plus rien

    (...)

Léo Ferré



quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Poetry


(...) It is not a spent light, a burned- out lamp, a lume spento.
(...) It is a firefly of the imagination.
It is the sea-light of Greece, the diamond light of Greece. (...)
Poetry holds death at bay.


Lawrence Ferlinghetti, EUA (1919)