domingo, 24 de maio de 2020

Maria Velho da Costa



«Em boa verdade vos digo: que continuamos sós mas menos desamparadas»

     (Barreno / Horta / Costa, in Novas Cartas Portuguesas-carta penúltima)


                    Senhora

 – Senhora, o que te faz tão franzida
 Tão refeita
 Tão suspeita?
 Quem escolhe a mansa vida
 Verá bem o que rejeita.

 – Vai e traz-me um cabelo
 Dum dragão enamorado
 Pois se me falas de amor
 Quero vê-lo feito e provado.
 À volta dar-te-ei guarida
 Sentar-te-ei a meu lado.

– Senhora, o que te traz tão sujeita
 Tão faltosa
 Suspirosa?
 Quem fia, borda e ajeita
 Murcha cedo como a rosa
 Não tem ciência nem prosa
 Não sabe o nome que aceita.

 – Vai roubar o setestrelo
 A um deus mau e zangado
 Pois se me dizes saber
 Quero prová-lo, e habitado.
 À volta dar-te-ei suspeita
 De que não estás do meu lado.

 – Senhora, o que te jaz tão famosa
 Tão ausente
 Tão pungente?

 – Quem escolhe, parte e rejeita.
 Quem parte, vai e não colhe.
 Quem vai, faz e não ama.
 Quem faz, fala e não sente.
 São teus olhos os sujeitos
 São de granito os meus peitos.
 Quem fia, borda e ajeita,
 Quem espera, fica e não escolhe,
 Quem cala, quieta na cama,
  Sou eu, deitada a sentir
 Tua roda de fugir
 Tua cabeça em meu ventre.

As 3 Marias, em 11/3/1971



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