domingo, 31 de maio de 2020

Torpor e confinamento



         A gaivota

Está um lindo dia para brincar com o vento
quem dera fosse sempre assim, regular e tenso,
ideal para planar de costas e depois, que delícia!
com um ligeiro mover de asas, parar no ar,
e ficar a ver a margem da cidade lá em baixo,
deserta, já sem turistas, o chão limpo,
uns raros transeuntes a trote, dois freaks, um cão,
aquele tipo careca a tirar fotos a poças d’água.
Sinto-me mesmo bem, parado, aqui em cima.
E tenho comido menos lixo, ultimamente;
até reaprendi a pescar, e não me queixo,
sinto o hálito mais fresco, a peixe fresco.
Por mim, ficava aqui em cima para sempre,
a ver a cidade vaga, olha! o cão dos freaks
teve agora um ataque de loucura, e
atacou um grupinho de gaivotas pousadas.
Que se avenham, o dono do cão que as salve.
Não se pense que há amigos entre gaivotas,
cada um por si, somos um mar de solidões.
E se formamos bando, é sem ternura,
é só porque estamos programados para isso;
a solidão mantém-se. Roubamos ovos uns aos outros
e só não comemos os próprios filhos, enfim,
a verdade é que, às vezes, comemos os próprios filhos.
Este rio é das coisas mais belas, sem homens;
e está um dia lindo para brincar com o vento. 
               (07/04/20)
    João Paulo Esteves da Silva


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