quarta-feira, 25 de outubro de 2023
«Bastou-me ficar nos seus braços»
quarta-feira, 18 de outubro de 2023
Guerras 4
quinta-feira, 14 de setembro de 2023
Transparecer
Carlota Monjardino, Ilha ao longe |
Visitas/ Exposição
Ilha ainda longe
lenta descida
na vertical
vento forte cinza e sal
cerrar dos olhos
medo soez
Pés na terra
tons de verde
a triplicar desta vez
névoa nos campos colinas
azul no céu e no mar
baía praia prainha
sombra crepuscular
farol planos de luz
camadas espessas ou finas
traços pontos linha
outra ilha se adivinha
e sublime transparece
em tela madeira tecida
tule rede filtração
paisagem preservação
sintética e solúvel tinta
cor contornos ondulação
falta a sublime giesta que
embalsamou Brandão.
quinta-feira, 20 de julho de 2023
«Polémica»
Concordo inteiramente com o que dizes.
Quando as nuvens e as palavras se separam
O ar estremece e o cosmos fragmenta-se.
Enquanto não se conhecer a intenção
Nenhum caminho será descoberto.
A Índia era pó, um leopardo à sombra de uma pedra.
Cheguei à entrada da cidade
E aí estava ela, branca, à luz do sol.
As paisagens são absurdas enquanto não se aceitam.
Salaamed humedeceu os lábios e colou-os ao pó.
Ele é o vale e o vale é ele.
Mas até à morte negar-te-ei o direito de o dizer.
domingo, 18 de junho de 2023
De rabos e de peixes- Rabo de Peixe contado às crianças
Isto não é Rabo de Peixe |
Rabo- rede das armações de pesca fixas que se dirige para o lado
da terra;
Rabo- pode também
ser um apêndice, acrescentamento; suplemento.
Era uma vez alguns rabos de saia e muitos rabos de lagartixa
naturais de uma vila esquecida de um mundo pequeno que ouviam, com uma evidente
dose de impaciência, diversos pregadores vindos de fora. Embora se tivessem
habituado aos rabos de palha que frequentemente lhes atribuíam, sabiam bem que não
eram propriamente peixe podre! Os companheiros e pais dos indivíduos atrás
referidos estavam ocupados a puxar as redes em barcos geralmente alugados, sob
a proteção de santos da casa, ou do continente que raramente fazem milagres e se
quedavam mudos, como os peixes que os homens e os rapazes mais crescidos
queriam apanhar, e que o mar e os rabos de ciclone nem sempre permitiam.
Quando se vive assim, não se espantem se tudo o que vier à
rede, for considerado peixe; se na faina, e nos rabos para sustentarem as famílias
numerosas, alguns fossem para os peixinhos!...
Depois de um acontecimento maior que abalou o quotidiano pouco
pacato da comunidade piscatória e da ilha toda, alguns apressaram-se a declarar
nada ter a ver com esse peixe/negócio graúdo; outros, que estariam a dormir, que apenas
o venderam pelo preço que o compraram.
Pessoas vagamente desconhecidas,
que teriam o rabo pelado ou talvez não, propuseram à população realizar uma
série que, como o caranguejo e no bairro com este nome, teria por tema o
acontecimento-tabu. As opiniões dividiram-se, instalou-se a controvérsia, tendo
os proponentes metido por algum tempo o rabo entre as pernas.
A série estreou, a polémica de novo estoirou, estendendo-se até
ao país. Parece que tem sido um sucesso no grande mundo que se deu conta da existência
de uma vila, situada numa das ilhas do arquipélago-maravilha, onde in illo
tempore um anticiclone proporcionava o bom tempo a grande parte do
continente europeu.
Serão felizes de hoje em diante, e/ou para sempre? Esperemos para ver.
"Não queremos
mais turismo, já temos que chegue. Queremos é mudar o que está mal, ajudar as
pessoas que precisam. Não percebo nada de política ou gestão. Sei tocar viola e
cantar. Mas acho que o que era preciso era ajudar as pessoas, dar cultura às
pessoas, dar-lhes acesso a educação e saúde", pediu Romeu Bairos músico e
ator na série.
Rapazim de Rabo de Peixe? Muito provavelmente.
https://www.youtube.com/watch?v=wcFjN_pK4Wo
«A mortos e a idos não há amigos»
A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
(...)
Fernando Pessoa
P.S. : muitas mortes sofre quem
por mão cobiçosa
privado ficou
do local onde
a estrada curvou
Tomorrow...
... durou o que durou.
domingo, 4 de junho de 2023
« Desejar é supérfluo...»
Desejar é supérfluo, ali onde o corpo
A
Dina Posada
Abandono-me a toda a extensão da minha
inteligência e da minha sensibilidade.
Já não busco apoio, nem tenho base.
Não sei onde procuro, nem sei o que estou procurando.
É a mulher viva a quem isto fere, e a paralisia
que me sufoca está no centro da minha presença usual,
nunca nos meus sentidos de mulher predestinada.
O meu suplício é tão subtil, tão raro quanto ordinário.
Vence-me a imobilidade impedindo-me cada vez
mais de me
devolver a mim própria,
quando o caminho antigo vem ao meu encontro.
Lauren Mendinueta, Colômbia,1977
(a tradução é minha)
domingo, 28 de maio de 2023
Pessoas há que...
O lirismo pessoal é o clamor do prisioneiro para o prisioneiro da cela
solitária em que cada um está confinado enquanto durarem as suas vidas.
Tennessee Williams, prefácio a Cat in a hot tin
roof
HÁ PESSOAS CUJOS cabelos a dor
embranquece de um dia para o outro
e pessoas que morrem um mês
uma semana depois de finadas
as pessoas que adoram
e ouvi mesmo falar de um cão cuja
vida acabou debaixo
do caixão de seu dono
Não vejo como algo
assim poderia acontecer comigo:
é pelas beiradas
(como tudo)
que a dor me come.
Simone Brantes, Brasil, 1963
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Dia de África
«O espírito de África toma sempre a forma de um elefante.
Porque o elefante não pode ser vencido por nenhum animal.
Nem pelo leão, nem pelo búfalo, nem pela serpente».
palavras de um tanzaniano
Ryszard Kapuscinski, in Ébano
quarta-feira, 17 de maio de 2023
Vento
Como não te posso vencer
vou contigo na viagem
A ventania
fustiga a nogueira
São mais as
vozes
do que as nozes
Esgueirando-se
por entre as folhas
o vento murmura
marulha
Papagaios de papel
retalhos de
cor e laços
ondulando
sobre fundo azul pálido
domingo, 14 de maio de 2023
Toupeiras
Pequenos e enérgicos habitantes de outro espaço e de um
tempo outro, escavam túneis no subsolo 4 horas a fio, para morarem e armazenarem
alimento; depois param e adormecem, embalados pelo ritmo que, em surdina,
acrescentam à lira do Trácio.
Dormem, cada qual em sua galeria, em cama própria, fechando
os olhos que pouco veem; então, todo ouvidos, seguem em sonhos Orfeu, tréguas dando
ao pelo que lhes protege o corpo cilíndrico, ao focinho e à cauda cujas
vibrissas os orientam na caça e, sobretudo, aos dentes, sem os quais
morreriam porque precisam de comer muito.
Misteriosos, só se
mostram na primavera para acasalarem, ou por obra do acaso.
Aos dois meses,
quando deixam o berçário, os filhotes partem, por seu turno, à descoberta de um
lugar subterrâneo só para eles, onde comida e sossego abundem. Continuarão a
azáfama dos progenitores que, para nós, se pensarmos um pouco, consiste também
em construir compridos canais por onde a chuva penetra lentamente no solo; ao
mesmo tempo revolvem e arejam as profundezas, das quais retiram terra paus
raízes que vêm modelar e revestir de novas camadas e de formas inusitadas a
geometria convencional do nosso território.
Vivem cerca de 4 anos- apenas. Enquanto fazem, vivem- amaldiçoados. Parecem-se com quem?
terça-feira, 9 de maio de 2023
«A toupeira»
E esta, porque vive,
porque se afirma
se vive enterrada
na lama
revolvendo paus, turfa,
sons
nas órficas árias?
Ela é dos subterrâneos,
o mineiro que vive com
Maria, a rainha dos escoceses,
Anne Sexton, alguns imortais,
e não tarda comigo-
brincaremos aos zombies
fugiremos de gambás,
diremos - que diabo!
em grutas e galerias:
ensinar-me-á como
viver morrendo.
Daniel Jonas, 1973
sábado, 22 de abril de 2023
a liberdade de uma dieta pobre
Um casaco barato é proteção que chegue.
Eu, que me alimento das flores das Musas,
não serei escravo de nenhuma mesa.
Odeio a inanidade da riqueza, ama
dos aduladores. Não pedirei favores
a alguém sobranceiro. Conheço
a liberdade de uma dieta pobre.
Parmenion, in Antologia Grega (ou Palatina)
(versão
de José Alberto Oliveira)
segunda-feira, 10 de abril de 2023
Putos do bairro
As poeiras… ratoeiras
e o nariz sem funcionar
na tua rua
minh'alma nua
o que dá gozo é falar
os porcos dos corpos
receio de empinar
cão pisteiro longo treino
para impuros apanhar
peões aos milhões
putos em transe a fumar
em quintais imaginados
o cão não há de ladrar
quantas buscas
arrobas
águas muy santas salobras
-quantas mentiras no ar-
lavam os bem-comportados
tanto medo no arremedo
« Epílogo»
Epílogo
Conheço a utilidade da inutilidade.
E tenho a fortuna de não querer ser rico.
Joan Brossa, Barcelona (1919-1998)
sábado, 1 de abril de 2023
Refugiados (ainda)
Refugiados
Num alvorecer qualquer, a uma enseada sombria
eles chegam e a água vai embranquecendo
enquanto acostam e
se encostam na areia.
Adormecidos os seus corpos agitam-se,
os músculos dos homens sobretudo
continuam remando, puxando as cordas
na obscuridade.
Nem um sabe onde está.
Neste momento têm
a memória dos peixes,
e logo que os soldados se mostram
sobre um horizonte de cocos secos,
o grupo sobre a areia espera
ouvir o nome
do país aonde agora estão.
Mervyn Taylor, (Trinidad; sem dados)
- a tradução foi feita por mim -
quarta-feira, 22 de março de 2023
poesia e primavera adiadas- requentadas não!
Se não
existissem poetas, o que seria de nós?
Em clamor ou
em amor
feitas do
mundo consciência
suas mãos
irrequietas traduzem a nossa voz
com medida ou
impudência
seus versos
como uma pauta
suportam a
estesia
onde o feio o
não é
ou se é… é
ironia
as palavras
que mergulham em contextos fulgurantes
enchem o
branco de imagens deixam o peito a arfar
dão a ver
outras paragens onde queremos tardar
e mesmo
naquelas paisagens que julgámos conhecer
o que estava
atrás vem à frente
ganha vida o
que não tem:
atalhos
pedras raízes difíceis de vislumbrar
um anjo
desasado que mesmo assim quer voar
flores sílaba
a sílaba que o sopro torna vivazes
e os
frutos...que prazer -
Senhores
d’anestesia vosso reino está no chão
pra comer é a
poesia melopeia e paixão
ethos no meio
do nada corpo nas ondas nu
que o corpo
moderno um fantasma
morreu dum ataque de asma envolto num pano cru.
sábado, 18 de março de 2023
domingo, 5 de março de 2023
«Decepção à regra»
Decepção à regra
Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros?
João Luís Barreto Guimarães, 1967
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023
«Oblivion»
Oblívio
Ele é Esquecimento, fé no nunca mais e no não,
fé brutal em esquecer
eternamente.
Ele é Olvido, lei da
ingratidão,
feiticeiro astral.
Espadachim da
desmemória e do
sem recordações, é o rei
Olvido.
É como um poço que tem a paixão de enterrar
que floresce quando sangram
os estigmas do coração.
Luz degolada de um
tempo tão feliz
hoje Olvido vais
apagar-me a mim.
Ameaça esgotante, ele
reduz a zero por igual
o real, o melhor, o
fatal.
Hipnotiza-te com o
doloroso mel
do amor ausente,
para ultimar, ébrio,
amargo e vil,
o sagrado ontem,
rei Olvido.
Astor Piazzola (música)
- a tradução da letra é minha, mas ignoro o nome do autor do texto-
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023
Carnaval no Brasil e em Portugal ( em 1936)
(…) Ai como é diferente o Carnaval em Portugal. Lá nas
terras de além e de Cabral,
onde canta o sabiá e brilha o Cruzeiro do Sul, sob aquele
céu glorioso, e calor, e se
o céu turvou, ao menos o calor não falta, desfilam os blocos
dançando avenida abaixo,
com vidrilhos que parecem diamantes, lantejoilas que fulgem
como pedras preciosas,
panos que talvez não
sejam sedas e cetins, mas cobrem e descobrem os corpos como
se o fossem, nas
cabeças ondeiam plumas e penas, araras, aves-do-paraíso, galos
silvestres, e o samba,
o samba terramoto da alma (…) Em Lisboa Ricardo Reis não corre
esses perigos. O céu
está como tem estado, chuvoso, mas, vá lá, não tanto que o corso
não posso desfilar,
vai descer a Avenida da Liberdade entre as conhecidas alas de gente
pobre, dos bairros, é
certo que também há cadeiras para quem as puder alugar, mas
essas que irão ter
pouca freguesia, estão numa sopa, parece partida carnavalesca,
senta-te aqui ao pé de mim, ai que fiquei toda molhada. Estes
carros armados rangem,
bamboleiam, pintalgados de figuras, em cima deles há gente
que ri e faz caretas,
máscaras de feio e de bonito, atiram com parcimónia serpentinas
ao público, saquinhos
de milho e feijão que acertando aleijam, e o público
retribui com entusiasmo triste. (…)
Entre o público está esta rapariga a olhar o desfile e vem por
trás dela um rapaz com
uma mão cheia de papelinhos, aperta-lhos contra a boca, esfrega
freneticamente e vai
aproveitando a surpresa para a apalpar onde pode, depois ela
fica a cuspinhar, a
cuspinhar, enquanto ele afastado ri, são modos de galantear
a portuguesa, há
casamentos que começaram assim e são felizes. Usam-se
bisnagas para atirar ao
pescoço ou à cara das pessoas esguichos de água, ainda
conservam o nome de lança-
-perfumes, é o que resta, o nome, do tempo em que foram
suave violência nos salões,
depois desceram à rua, muita sorte é ser limpa esta água, e
não de sarjeta, como
também se tenho visto. Ricardo Reis aborreceu-se depressa
com a farrapagem do
corso, mas assistiu a pé firme, qualquer coisa que tivesse para
fazer não era mais
importante do que estar aqui, por duas vezes chuviscou,
outra vez caiu forte a
chuva, e ainda há quem cante louvores ao clima português,
não digo que não,
mas para carnavais não serve. (…) mas os mascarados, mesmo
pingando das
melenas e cadilhos, vão continuar a festa por essas ruas e
praças, becos e travessas,
em vãos de escada para o que não se possa confessar ou
cometer às claras, assim
se praticando por maior rapidez e barateza, a carne é fraca,
o vinho ajuda, o dia
das cinzas e do esquecimento será só na quarta-feira. (…)
José Saramago,
O ano da morte de Ricardo Reis (excertos)
terça-feira, 21 de fevereiro de 2023
relações sintáticas
Relações sintáticas
Sob as palavras proferidas na euforia dos encontros
há um leito aquático de silêncio recoberto
onde
afetos dúvidas medos
memórias
depositam suas variadas
vozes
em vívidas correntes
depois
em algas corais crustáceos esponjas
transmutando se vão
ou
se acamam então bem no
fundo
até
serem retalhados
pelas tartarugas
marinhas
que
à voga surda
deixam a vaga
descendo
em busca de alimento
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023
cismo/sismo
o vibrar da ponte
o ronco da terra
o teto que cai
estremunhado pavor
desmunidos
sem mãos a medir
humanos que
o amor
impele
na escuridão
escavam escombros
pela salvação
no frio da noite
na terra gelada
o tremor da mão
réplicas
é madrugada
terça-feira, 17 de janeiro de 2023
Amazonas
AMAZONAS
As amazonas, mulheres temíveis, lutaram contra Hércules
quando este era Héracles, e contra Aquiles na Guerra de Troia.
Odiavam os homens e cortavam o seio direito* para que as suas
flechas fossem mais certeiras [...]. Passaram os séculos. Das
amazonas nunca mais se ouviu falar. Mas o rio continua a
chamar-se assim e embora diariamente o envenenem os pesticidas,
os adubos químicos, o mercúrio das minas e o petróleo dos
barcos, as suas águas continuam a ser as mais ricas do mundo
em peixes, aves, contos.
Eduardo Galeano,
Uruguai, (1940-2015) in Espelhos
«A tradição literária e artística ocidental foi particularmente despiciente no que toca à representação da épica batalha travada por Aquiles e Pentesileia, cuja representação não encontra lugar nos poemas homéricos. O mito desta amazona não constituiu alvo de nenhum texto dramático ou épico, ao contrário do que aconteceu com outras heroínas da tradição clássica, nomeadamente Medeia, Antígona e Helena ...»
Sandra Sousa
Notas:
* As opiniões dos estudiosos dividem-se quanto a esse assunto...
Heinrich von Kleist escreveu Pentesileia em 1806 e 1807 e foi publicada em 1808.
215 anos depois, a peça estreou em Portugal, em Lisboa, no Teatro do Bairro. Vá ver!
segunda-feira, 2 de janeiro de 2023
«recuerdos de adão»
recuerdos de adão
em ti deus não acredito
nem preciso pois te sinto
e penso isso atravessado
por louca glória;
vi ouvi-te saboreei-te
pude saber-te, sou a
vítima do privilégio (e
antes mesmo do fim
nasço já dentro em ti)
só...espero que não
te importes!
estraguei foi o jardim
Manuel Rodrigues
Ernesto Canto da Maia