quarta-feira, 25 de outubro de 2023

«Bastou-me ficar nos seus braços»

Bastou-me morrer nos seus braços
 ser ali enterrada
 dissolver-me sob o seu lodo e
 desaparecer renascer erva no seu solo
 e renascer flor que a mão duma criança medrada
 no meu país vai apanhar
 bastou-me permanecer no seio do meu país
 como terra e erva e flor

  Fadwa Tuqan, Palestina, (1917-2003)

      (tradução de Maria Paiva)

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Guerras 4

… Aquele pequeno orifício, que fica depois da bala ter atravessado, esvaziou-me dos meus conteúdos, tudo fluiu gentilmente, memórias, nomes de amigos, vitamina C, canções de casamentos, o dicionário árabe, a temperatura de 37 graus ácido úrico, os poemas de Abu Nuwas, e o meu sangue. Quando a alma começa a escapar pelo pequeno portão aberto pela bala, as coisas tornam-se mais claras, a teoria da relatividade torna-se algo evidente, equações matemáticas que eram vagas tornam-se matéria simples, voltamos a lembrar os nomes de colegas da escola esquecidos, a vida é subitamente iluminada em perfeito detalhe, o quarto de infância, o leite da mãe, o primeiro orgasmo trémulo, as ruas do campo, um retrato de Yasser Arafat, o cheiro do café com cardamomo dentro de casa, o som da chamada à oração da manhã, Maradona no México em 1986, e tu. 


   Ghayath Almadhoun, Palestina-Síria, 1979

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Transparecer

 

Carlota Monjardino, Ilha ao longe



Visitas/ Exposição

 

Ilha ainda longe

lenta descida

   na vertical

vento forte cinza e sal

cerrar dos olhos

medo soez

Pés na terra

tons de verde

a triplicar desta vez

névoa nos campos colinas

azul no céu e no mar

baía praia prainha

sombra crepuscular

farol planos de luz

camadas espessas ou finas

traços pontos linha

outra ilha se adivinha

e sublime transparece

em tela madeira tecida

tule rede filtração

paisagem preservação

sintética e solúvel tinta

cor contornos ondulação

falta a sublime giesta que

embalsamou Brandão.






quinta-feira, 20 de julho de 2023

«Polémica»

 

Concordo inteiramente com o que dizes.
Quando as nuvens e as palavras se separam
O ar estremece e o cosmos fragmenta-se.
Enquanto não se conhecer a intenção
Nenhum caminho será descoberto.
A Índia era pó, um leopardo à sombra de uma pedra.
Cheguei à entrada da cidade
E aí estava ela, branca, à luz do sol.

As paisagens são absurdas enquanto não se aceitam.
Salaamed humedeceu os lábios e colou-os ao pó.
Ele é o vale e o vale é ele.
Mas até à morte negar-te-ei o direito de o dizer.

Paul Bowles, EUA, 1910-1999

(traduzido por José Agostinho Baptista)

domingo, 18 de junho de 2023

De rabos e de peixes- Rabo de Peixe contado às crianças

Isto não é Rabo de Peixe

 

  Rabo- rede das armações de pesca fixas que se dirige para o lado da terra;

       Rabo- pode também ser um apêndice, acrescentamento; suplemento.

 

Era uma vez alguns rabos de saia e muitos rabos de lagartixa naturais de uma vila esquecida de um mundo pequeno que ouviam, com uma evidente dose de impaciência, diversos pregadores vindos de fora. Embora se tivessem habituado aos rabos de palha que frequentemente lhes atribuíam, sabiam bem que não eram propriamente peixe podre! Os companheiros e pais dos indivíduos atrás referidos estavam ocupados a puxar as redes em barcos geralmente alugados, sob a proteção de santos da casa, ou do continente que raramente fazem milagres e se quedavam mudos, como os peixes que os homens e os rapazes mais crescidos queriam apanhar, e que o mar e os rabos de ciclone nem sempre permitiam.

Quando se vive assim, não se espantem se tudo o que vier à rede, for considerado peixe; se na faina, e nos rabos para sustentarem as famílias numerosas, alguns fossem para os peixinhos!...

Depois de um acontecimento maior que abalou o quotidiano pouco pacato da comunidade piscatória e da ilha toda, alguns apressaram-se a declarar nada ter a ver com esse peixe/negócio graúdo; outros, que estariam a dormir, que apenas o venderam pelo preço que o compraram.

 Pessoas vagamente desconhecidas, que teriam o rabo pelado ou talvez não, propuseram à população realizar uma série que, como o caranguejo e no bairro com este nome, teria por tema o acontecimento-tabu. As opiniões dividiram-se, instalou-se a controvérsia, tendo os proponentes metido por algum tempo o rabo entre as pernas.

A série estreou, a polémica de novo estoirou, estendendo-se até ao país. Parece que tem sido um sucesso no grande mundo que se deu conta da existência de uma vila, situada numa das ilhas do arquipélago-maravilha, onde in illo tempore um anticiclone proporcionava o bom tempo a grande parte do continente europeu.

Serão felizes de hoje em diante, e/ou para sempre? Esperemos para ver.

 "Não queremos mais turismo, já temos que chegue. Queremos é mudar o que está mal, ajudar as pessoas que precisam. Não percebo nada de política ou gestão. Sei tocar viola e cantar. Mas acho que o que era preciso era ajudar as pessoas, dar cultura às pessoas, dar-lhes acesso a educação e saúde", pediu Romeu Bairos músico e ator na série.

 Rapazim de Rabo de Peixe? Muito provavelmente.

 

https://www.youtube.com/watch?v=wcFjN_pK4Wo


«A mortos e a idos não há amigos»

A morte é a curva da estrada,


Morrer é só não ser visto.


Se escuto, eu te oiço a passada


Existir como eu existo.

 (...)


 

Fernando Pessoa


               P.S. : muitas mortes sofre quem

                          por mão cobiçosa

                              privado ficou

                             do local onde

                          a estrada curvou

                                                    Tomorrow...

                      ... durou o que durou.


domingo, 4 de junho de 2023

« Desejar é supérfluo...»

Desejar é supérfluo, ali onde o corpo

 

                                                  A Dina Posada

 

Abandono-me a toda a extensão da minha

     inteligência e da minha sensibilidade.

Já não busco apoio, nem tenho base.

Não sei onde procuro, nem sei o que estou procurando.

É a mulher viva a quem isto fere, e a paralisia

que me sufoca está no centro da minha presença usual,

nunca nos meus sentidos de mulher predestinada.

O meu suplício é tão subtil, tão raro quanto ordinário.

Vence-me a imobilidade impedindo-me cada vez

     mais de me devolver a mim própria,

quando o caminho antigo vem ao meu encontro.

 

Lauren Mendinueta, Colômbia,1977

    (a tradução é minha) 



domingo, 28 de maio de 2023

Pessoas há que...

 

O lirismo pessoal é o clamor do prisioneiro para o prisioneiro da cela

solitária em que cada um está confinado enquanto durarem as suas vidas.


      Tennessee Williams, prefácio a Cat in a hot tin roof


 

HÁ PESSOAS CUJOS cabelos a dor

embranquece de um dia para o outro

e pessoas que morrem um mês

uma semana depois de finadas

as pessoas que adoram

e ouvi mesmo falar de um cão cuja

vida acabou debaixo

do caixão de seu dono

Não vejo como algo

assim poderia acontecer comigo:

é pelas beiradas

(como tudo)

que a dor me come.

 

Simone Brantes, Brasil, 1963

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Dia de África

 

«O espírito de África toma sempre a forma de um elefante.

 Porque o elefante não pode ser vencido por nenhum animal.

 Nem pelo leão, nem pelo búfalo, nem pela serpente».

             palavras de um tanzaniano


Ryszard Kapuscinski, in Ébano



quarta-feira, 17 de maio de 2023

Vento

Como não te posso vencer

vou contigo na viagem

 

 

A ventania fustiga a nogueira

São mais as vozes

     do que as nozes

 

Esgueirando-se por entre as folhas

o vento murmura

         marulha

 

Papagaios de papel

retalhos de cor e laços

      ondulando

sobre fundo azul pálido



 

domingo, 14 de maio de 2023

Toupeiras

 

Pequenos e enérgicos habitantes de outro espaço e de um tempo outro, escavam túneis no subsolo 4 horas a fio, para morarem e armazenarem alimento; depois param e adormecem, embalados pelo ritmo que, em surdina, acrescentam à lira do Trácio.

Dormem, cada qual em sua galeria, em cama própria, fechando os olhos que pouco veem; então, todo ouvidos, seguem em sonhos Orfeu, tréguas dando ao pelo que lhes protege o corpo cilíndrico, ao focinho e à cauda cujas vibrissas os orientam na caça e, sobretudo, aos dentes, sem os quais morreriam porque precisam de comer muito.

 Misteriosos, só se mostram na primavera para acasalarem, ou por obra do acaso.

 Aos dois meses, quando deixam o berçário, os filhotes partem, por seu turno, à descoberta de um lugar subterrâneo só para eles, onde comida e sossego abundem. Continuarão a azáfama dos progenitores que, para nós, se pensarmos um pouco, consiste também em construir compridos canais por onde a chuva penetra lentamente no solo; ao mesmo tempo revolvem e arejam as profundezas, das quais retiram terra paus raízes que vêm modelar e revestir de novas camadas e de formas inusitadas a geometria convencional do nosso território.

Vivem cerca de 4 anos- apenas. Enquanto fazem, vivem- amaldiçoados. Parecem-se com quem?




terça-feira, 9 de maio de 2023

«A toupeira»

 

E esta, porque vive,

porque se afirma

se vive enterrada

na lama

 

revolvendo paus, turfa,

sons

nas órficas árias?

 

Ela é dos subterrâneos,

o mineiro que vive com

 

Maria, a rainha dos escoceses,

Anne Sexton, alguns imortais,

 

e não tarda comigo-

brincaremos aos zombies

 

fugiremos de gambás,

diremos - que diabo!

em grutas e galerias:

 

ensinar-me-á como

viver morrendo.

 

Daniel Jonas, 1973



sábado, 22 de abril de 2023

a liberdade de uma dieta pobre

 

Um casaco barato é proteção que chegue.

Eu, que me alimento das flores das Musas,

não serei escravo de nenhuma mesa.

Odeio a inanidade da riqueza, ama

dos aduladores. Não pedirei favores

a alguém sobranceiro. Conheço

a liberdade de uma dieta pobre.

 

Parmenion, in Antologia Grega (ou Palatina)

        (versão de José Alberto Oliveira)



segunda-feira, 10 de abril de 2023

Putos do bairro

 As poeiras… ratoeiras

 e o nariz sem funcionar

 na tua rua

 minh'alma nua

 o que dá gozo é falar

 os porcos dos corpos

 receio de empinar

 cão pisteiro longo treino

 para impuros apanhar 

 peões aos milhões

putos em transe a fumar

em quintais imaginados

o cão não há de ladrar 

quantas buscas

         arrobas

águas muy santas salobras

-quantas mentiras no ar-

lavam os bem-comportados

tanto medo no arremedo

quantas dúvidas pra contar


« Epílogo»

 

Epílogo

 

Conheço a utilidade da inutilidade.

E tenho a fortuna de não querer ser rico.

 

 Joan Brossa, Barcelona (1919-1998)



sábado, 1 de abril de 2023

Refugiados (ainda)

 Refugiados


Num alvorecer qualquer, a uma enseada sombria

eles chegam e a água vai embranquecendo

enquanto acostam e

se encostam na areia.

 

Adormecidos os seus corpos agitam-se,

os músculos dos homens sobretudo

continuam remando, puxando as cordas

na obscuridade.

 

Nem um sabe onde está.

Neste momento têm

a memória dos peixes,

e logo que os soldados se mostram

 

sobre um horizonte de cocos secos,

o grupo sobre a areia espera

ouvir o nome

do país aonde agora estão.

 

Mervyn Taylor, (Trinidad; sem dados)

 - a tradução foi feita por mim -

   



quarta-feira, 22 de março de 2023

poesia e primavera adiadas- requentadas não!



Se não existissem poetas, o que seria de nós?

Em clamor ou em amor

feitas do mundo consciência

suas mãos irrequietas traduzem a nossa voz

com medida ou impudência

seus versos como uma pauta

suportam a estesia

onde o feio o não é

ou se é… é ironia

as palavras que mergulham em contextos fulgurantes

enchem o branco de imagens deixam o peito a arfar

dão a ver outras paragens onde queremos tardar

e mesmo naquelas paisagens que julgámos conhecer

o que estava atrás vem à frente

ganha vida o que não tem:

atalhos pedras raízes difíceis de vislumbrar

um anjo desasado que mesmo assim quer voar

flores sílaba a sílaba que o sopro torna vivazes

e os frutos...que prazer -

Senhores d’anestesia vosso reino está no chão

pra comer é a poesia melopeia e paixão

ethos no meio do nada corpo nas ondas nu

que o corpo moderno um fantasma

morreu dum ataque de asma envolto num pano cru. 



sábado, 18 de março de 2023

Navio vivo

 

… E desejar

   era maior que tudo

  - o mais vivo navio

   para a viagem

 

Ana Luísa Amaral




domingo, 5 de março de 2023

«Decepção à regra»

 

Decepção à regra

 

Sentar-me e

ver os outros passar é o

meu exercício favorito. Entretém.

Não esgota.

É gratuito. Neste meu jogo-do-não

são os outros que passam

(é aos outros que reservo a tarefa

de passar). Lavo daí os pés.

Escrevo de dentro da vida.

Pode até parecer que assim não

chego a lugar algum mas também quem

é que quer ir

ao sítio dos outros?

 

João Luís Barreto Guimarães, 1967



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

«Oblivion»

 

 Oblívio


Ele é Esquecimento, fé no nunca mais e no não,

fé brutal em esquecer eternamente.

 Ele é Olvido, lei da ingratidão,

 feiticeiro astral.

 Espadachim da desmemória e do

 sem recordações, é o rei Olvido.

É como um poço que tem a paixão de enterrar

que floresce quando sangram

os estigmas do coração.

 Luz degolada de um tempo tão feliz

 hoje Olvido vais apagar-me a mim.

 Ameaça esgotante, ele reduz a zero por igual

 o real, o melhor, o fatal.

 Hipnotiza-te com o doloroso mel

 do amor ausente,

 para ultimar, ébrio, amargo e vil,

 o sagrado ontem,

 rei Olvido.


 Astor Piazzola (música)

- a tradução da letra é minha, mas ignoro o nome do autor do texto- 



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Carnaval no Brasil e em Portugal ( em 1936)

 

(…) Ai como é diferente o Carnaval em Portugal. Lá nas terras de além e de Cabral,

onde canta o sabiá e brilha o Cruzeiro do Sul, sob aquele céu glorioso, e calor, e se

o céu turvou, ao menos o calor não falta, desfilam os blocos dançando avenida abaixo,

com vidrilhos que parecem diamantes, lantejoilas que fulgem como pedras preciosas,

 panos que talvez não sejam sedas e cetins, mas cobrem e descobrem os corpos como

 se o fossem, nas cabeças ondeiam plumas e penas, araras, aves-do-paraíso, galos

 silvestres, e o samba, o samba terramoto da alma (…) Em Lisboa Ricardo Reis não corre

 esses perigos. O céu está como tem estado, chuvoso, mas, vá lá, não tanto que o corso

 não posso desfilar, vai descer a Avenida da Liberdade entre as conhecidas alas de gente

 pobre, dos bairros, é certo que também há cadeiras para quem as puder alugar, mas

 essas que irão ter pouca freguesia, estão numa sopa, parece partida carnavalesca,

senta-te aqui ao pé de mim, ai que fiquei toda molhada. Estes carros armados rangem,

bamboleiam, pintalgados de figuras, em cima deles há gente que ri e faz caretas,

máscaras de feio e de bonito, atiram com parcimónia serpentinas ao público, saquinhos

de milho e feijão que acertando aleijam, e o público retribui com entusiasmo triste. (…)

Entre o público está esta rapariga a olhar o desfile e vem por trás dela um rapaz com

uma mão cheia de papelinhos, aperta-lhos contra a boca, esfrega freneticamente e vai

aproveitando a surpresa para a apalpar onde pode, depois ela fica a cuspinhar, a

cuspinhar, enquanto ele afastado ri, são modos de galantear a portuguesa, há

casamentos que começaram assim e são felizes. Usam-se bisnagas para atirar ao

pescoço ou à cara das pessoas esguichos de água, ainda conservam o nome de lança-

-perfumes, é o que resta, o nome, do tempo em que foram suave violência nos salões,

depois desceram à rua, muita sorte é ser limpa esta água, e não de sarjeta, como

também se tenho visto. Ricardo Reis aborreceu-se depressa com a farrapagem do

corso, mas assistiu a pé firme, qualquer coisa que tivesse para fazer não era mais

importante do que estar aqui, por duas vezes chuviscou, outra vez caiu forte a

chuva, e ainda há quem cante louvores ao clima português, não digo que não,

mas para carnavais não serve. (…) mas os mascarados, mesmo pingando das

melenas e cadilhos, vão continuar a festa por essas ruas e praças, becos e travessas,

em vãos de escada para o que não se possa confessar ou cometer às claras, assim

se praticando por maior rapidez e barateza, a carne é fraca, o vinho ajuda, o dia

das cinzas e do esquecimento será só na quarta-feira. (…)

 

 José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis (excertos)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

relações sintáticas

Relações sintáticas

 

Sob as palavras proferidas na euforia dos encontros

há um leito aquático de silêncio recoberto

        onde

 afetos dúvidas medos memórias

 depositam suas variadas vozes

em vívidas correntes

          depois

em algas corais crustáceos esponjas

     transmutando se vão

            ou

 se acamam então bem no fundo

          até

  serem retalhados

  pelas tartarugas marinhas

  que

 à voga surda

deixam a vaga

descendo

em busca de alimento



 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

cismo/sismo


o vibrar da ponte

o ronco da terra

o teto que cai

estremunhado pavor 

    desmunidos 

sem mãos a medir

humanos que 

o amor 

impele

na escuridão 

escavam escombros

 pela salvação

no frio da noite

na terra gelada

o tremor da mão

réplicas

é madrugada




terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Amazonas

 

AMAZONAS

 As amazonas, mulheres temíveis, lutaram contra Hércules

 quando este era Héracles, e contra Aquiles na Guerra de Troia.

 Odiavam os homens e cortavam o seio direito* para que as suas

 flechas fossem mais certeiras [...]. Passaram os séculos. Das 

amazonas nunca mais se ouviu falar. Mas o rio continua a 

chamar-se assim e embora diariamente o envenenem os pesticidas,

os adubos químicos, o mercúrio das minas e o petróleo dos

barcos, as suas águas continuam a ser as mais ricas do mundo

em peixes, aves, contos.


 Eduardo Galeano, Uruguai, (1940-2015) in Espelhos


«A tradição literária e artística ocidental foi particularmente despiciente no que toca à representação da épica batalha travada por Aquiles e Pentesileia, cuja representação não encontra lugar nos poemas homéricos. O mito desta amazona não constituiu alvo de nenhum texto dramático ou épico, ao contrário do que aconteceu com outras heroínas da tradição clássica, nomeadamente Medeia, Antígona e Helena ...»

Sandra Sousa


Notas:

* As opiniões dos estudiosos dividem-se quanto a esse assunto...


    Heinrich von Kleist escreveu Pentesileia em 1806 e 1807 e foi                                                                         publicada em 1808.

      215 anos depois, a peça estreou em Portugal, em Lisboa,                                                                                   no Teatro do Bairro. Vá ver!


segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

«recuerdos de adão»

 

recuerdos de adão

 

em ti deus não acredito

nem preciso pois te sinto

e penso isso atravessado

por louca glória;

vi ouvi-te saboreei-te

pude saber-te, sou a

vítima do privilégio (e

antes mesmo do fim

nasço já dentro em ti)

só...espero que não

te importes!

 

estraguei foi o jardim


Manuel Rodrigues

                                   Ernesto Canto da Maia