domingo, 27 de abril de 2014

25 de Abril- no bairro

Pormenores da fotografia que Alfredo Cunha mais gostou 
de tirar na manhã do 25 de Abril de 1974.

                  Estados de espírito e comemorações informais na vizinhança.
 Dueto nascido depois de 1975 cantando , em 25/4/20014, «e depois do adeus».

Ponte sobre o Tejo,construída por uma italiana a residir em Lisboa há 2 meses.

Adamastor

Lisnave à esquerda
à direita o Cristo-Rei
ainda mais à direita a ponte Salazar
    logo rebaptizada 25 de Abril.

sábado, 26 de abril de 2014

Depois do sol: chuviscos



Afinal houve uma chuva de cravos no Terreiro do Paço, apesar de, cá pelo bairro, não haver nuvens nem tão pouco dinheiro para comprar os ditos. Aqui, só os topei nas paredes- mal este mês despontou...
 Na freguesia, agora alargada, também encontrei este espaço onde me sentei, longe da multidão, a usufruir o sol de um dia que, há 40 anos, foi considerado por muitos «inaugural» e por mim sentido como único.

Por acaso- ou talvez não, já sei que nada ou pouco sei- cruzei-me com alguém que amou Salgueiro Maia. Fomos ao Carmo-depois da enchente dos pequenos rios que lá desaguaram. Aprendi que o ar sério e preocupado que as fotografias dele retiveram fazia parte do seu modo de estar no mundo de então.
 Se cá estivesse ainda e, se tivesse visto o que eu registei ontem sobre os cravos, pegaria novamente no megafone ou num qualquer outro invento tecnologicamente avançado, ou então teria de recorrer a uma dose muito muito elevada de dopamina para sobreviver.

Foi pensando nisso que regressei a casa. Liguei-me ao mundo: em breve, qual maná, as ambicionadas flores, agora inodoras, cairiam do azul do céu.; mais tarde, haveriam de noticiar um ataque de pirataria informática.
Sem megafone, sem dopamina, já o sol se retirara, fui ouvir-cá no bairro-«As portas que Abril abriu». Éramos talvez uma dúzia e só eu tinha vivido esse momento- único. Depois dancei. Dancei enquanto pude. Aí já éramos muitos...e o nível de felicidade bruta subiu, com o movimento dos corpos seguindo a música.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Nada é imutável!




«Enquanto vives, nunca digas: nunca!
O regime assegurado não está seguro.
As coisas desta vida não são imutáveis…

B.Brecht, excerto do recitativo final de «A Mãe».


14.

Escrever sobre o corpo.
A lei,
os hábitos,
a frescura do vento.
Cicatrizes da vida.
Tatuagens.
Por isso as sociedades primitivas não escreviam-
inscreviam a lei no próprio corpo.
Jamais se separavam da justiça.
Não precisavam do Estado.
Nem senhores, nem servos.
Escrever livremente sobre o corpo, hoje:
não já um espaço irreversível,
a própria casa,
mas a imensa (intensa) aventura
de uma linguagem em mutação.
O terrível espaço onde o homem
(aqui o escritor)
se debate com as suas próprias armas.

Casimiro de Brito

 (texto publicado no suplemento «Artes e Letras» do D.N., entre maio e novembro de 1975)


terça-feira, 22 de abril de 2014

Tudo é provisório- e isso até não é mau!...













Nosso destino

Aconteceu há anos na Sardenha, na Pérsia, na Rússia
ou no Iraque:
No tempo em que tu não eras rei de Espanha
Nem eu, gerente da Kodak:
A múmia tinha uma cabeça estranha,
do tecto pendia um velho fraque,
num canto do salão estava uma aranha,
e eu, distraída, lia um almanaque.
Os anos e os séculos passaram
e dessa imensa glória só ficaram
as ruínas do templo abandonado.
Mas, Judas, pendurado na figueira,
vem ensinando à humanidade inteira,
que a forca é mais triste que o fado!...
(1980)
Ana Isabel, in O Grito frente ao Mar

Tardes de Domingo

Ó desempregados que vendeis a “grande” da lotaria.
Ó bichas confusas de pessoas à procura de
Açúcar, como formigas, mas em carreiras ordenadas.
Ó empregados de mesa, autómatos fartos de bicas.
Ó mulher gorda, vestida de preto, a vender balões coloridos.
Ó exército desorganizado de pedintes. Ó carros cheios
de agregados familiares frustrados. Ó condutores domingueiros
buzinando desordenadamente.
Ó sanfona massacrante da música de feira
e dos caça- moedas para crianças. Ó praga
de rádios de pilhas adormecendo o povo triste. Ó multidões
fazendo sempre as mesmas coisas ao domingo à tarde.
Ó tardes de domingo enfadonhas.


Jorge Cândido, in O Grito frente ao Mar, Antologia de poesia da Associação Comunitária de Saúde  Mental, Lisboa, 1997.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Com o deserto nas mãos



Bárbaros

Vinham de longe, arrastados pelos ventos, e escondiam
nas mãos um punhado de areia fina para não esquecerem
o cheiro dos desertos. Subiram à montanha e,
com um ramo quebrado, puseram-se a riscar o contorno
do lago e os caminhos tortuosos das primeiras margens.
A água fascinava-os, como aos cavalos que traziam
alados e sem crinas para chegarem sempre mais cedo.

Nessa noite acamparam no vale. Assaram um veado. Beberam
às mulheres que haveriam de ter. E adormeceram
mais longe do céu.

Sonharam com o fogo para não terem de cortar o trigo.

De manhã, a planície estava ainda mais plana.



Maria do Rosário Pedreira, A Casa e o Cheiro dos Livro ,Gótica, Lx, 2007


sábado, 19 de abril de 2014

Flores amarelas





... Estas flores (...) mostram um esplendor totalmente inesperado
 neste chão de pedra que ninguém diria
poder florir assim.

Ó flores cujo nome desconheço,
 prolongai esse fulgor humilde em cada dia
 de que ainda disponho para ver as flores,

antes de as flores virem ter comigo.

A.M.Pires Cabral: A umas flores amarelas (excerto)


   Primavera após primavera, são as primeiras a saudar anonimamente o sol.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Mimesis




 memórias da natureza por domar:
           pedras parindo pedras
                  malmequeres e margaridas em jardins
                                                      um ovni perto da foz
                                                                              -rio sem nome...

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Terminus da «puta da vida»...















Espaço em branco

    Ah, o espanto contido no imenso vazio de uma morte silenciosa!

 Irreversível  o não ver, não ouvir nunca mais palavras novas...








 «Ninguém nasce ou morre à hora da sesta,
só a memória vigia os trilhos por onde um dia a morte virá como um vagabundo sequioso,
enquanto puxamos o balde cabisbaixos e a corda nos sulca as mãos envelhecidas.»


Jorge Fallorca, Longe do Mundo, Frenesi, Lisboa 2004