Nosso destino
Aconteceu há anos na Sardenha, na Pérsia, na Rússia
ou no Iraque:
No tempo em que tu não eras rei de Espanha
Nem eu, gerente da Kodak:
A múmia tinha uma cabeça estranha,
do tecto pendia um velho fraque,
num canto do salão estava uma aranha,
e eu, distraída, lia um almanaque.
Os anos e os séculos passaram
e dessa imensa glória só ficaram
as ruínas do templo abandonado.
Mas, Judas, pendurado na figueira,
vem ensinando à humanidade inteira,
que a forca é mais triste que o fado!...
(1980)
Ana Isabel, in O Grito
frente ao Mar
Tardes de Domingo
Ó desempregados que vendeis a “grande” da lotaria.
Ó bichas confusas de pessoas à procura de
Açúcar, como formigas, mas em carreiras ordenadas.
Ó empregados de mesa, autómatos fartos de bicas.
Ó mulher gorda, vestida de preto, a vender balões coloridos.
Ó exército desorganizado de pedintes. Ó carros cheios
de agregados familiares frustrados. Ó condutores
domingueiros
buzinando desordenadamente.
Ó sanfona massacrante da música de feira
e dos caça- moedas para crianças. Ó praga
de rádios de pilhas adormecendo o povo triste. Ó multidões
fazendo sempre as mesmas coisas ao domingo à tarde.
Ó tardes de domingo enfadonhas.
Jorge Cândido, in O
Grito frente ao Mar, Antologia de poesia da Associação Comunitária de Saúde Mental, Lisboa, 1997.
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