MEDEIA
(Lugar
baixo, rancor surdo, tremenda
raiva- o
despeito da mulher
ao centro e
o sensato coro atrás)
Diz-se que matou o próprio irmão,
que descende do Sol e solo bárbaro,
e que, deslumbrada por jovem prático
e pouco espiritual, lhe deu
um animal de lã dourada. Ele
porém ainda quis um trono, outro
matrimónio e o mando dum país.
Quando uma feiticeira chora invoca
demónios que invocam malefícios.
O escritor, atento ao móbil, fixa
os joelhos da semideusa mágica
e empático pinta-lhe na boca
a palavra trágica: eu nada quis
para mim, por ti só tudo fiz.
E o mundo entretém no seu decurso
o público. Do crime participa
quem dele tira prémio ou espanto-
E o pranto corre a cada livre gesto
e o excesso com que sofre nos consola
o sobressalto. E o manto que tece
sufoca em chamas e excita deveras
o sangue a correr e a carne a arder.
Resta um par de cadáveres infantis
aos pés do pai: o céu está vazio
e ninguém saiu ainda da sala.
Para concluir o acto o génio
declara solene que ali se ama
e mata sobre a cena. Não mais
discursos. Inclina-se e repousa
a pena com a ponta de veneno.
Margarida Vale de Gato, Mulher
ao mar
A lenda de Medeia tem sido o entrecho de obras literárias tão diferentes e distantes no tempo quanto as de Ovídio e Hélia Correia, Eurípedes e Christa Wolf, Séneca e Heiner Muller, Ésquilo e Corneille ... uma ópera, composta por Luigi Cherubini, também faz parte do rol.
Acabo de ler o poema da Margarida, que transcrevi por me ter parecido uma reflexão, quiçá autobiográfica porque sábia e empenhada, sobre a representação masculina desta figura trágica da mitologia que dramaturgos variados ensaiaram.
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