quinta-feira, 10 de abril de 2014

Observar calorosamente


Poema visto no ventilador de um motel

 Está um calor infernal.
 Ligo o ventilador
 e as pás põem-se a girar lentamente.
 Um vento suave desloca-se imediatamente
 e as cortinas desatam a bailar.

O centro do ventilador
é um espelho convexo,
um olho de peixe,
um capacete dourado.
É lá que vibram os reflexos
com o motor a ronronar,
mas não mudam de lugar.

Aumento a velocidade e as pás giram
até se tornarem invisíveis quase
-uma esbranquiçada gaze-
mas os reflexos no centro
são os mesmos.

Assim acontecerá com tudo-digo de mim para mim-
as superfícies movem-se a grande velocidade
 mas as formas que elas refletem não.

Passam os indivíduos de uma espécie
mas a espécie não fenece.

Passam os homens de um povo,
mas o povo continua.

Todos os poetas passam
a poesia, porém, permanece.

Os nossos pensamentos passam,
mas algo, ou alguém,
observa.
Continua a observar.

Alberto Blanco (n. México, 1951)- a tradução é da minha lavra, embora existam outras- que não consultei.


Nota: para A.B., o sentido da poesia “tiene que ver con la capacidad de mantener un estado de observación tan alerta y tan atento que permita captar todas las variaciones de lo que sucede a la velocidad vertiginosa de lo real”.

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