quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Canções de embalar



…as luzes todas acesas e ninguém dentro de casa (ouvido num transporte público)




luzes todas apagadas

- e se alguém está no escuro e súbito reluz lá dentro,

Alguém fremente?

Herberto Helder , Servidões

ADIVINHOS


Na noite do Hallowen -festa importada -o elogio d’


OS BRUXOS



Em alguns de nós, o olhar

queda -se paralelo

ao do mocho

que há muito do ombro

nos voou.



Estas pálpebras

humedecem os olhos

como ninguém a uma fronte.



Em seu retiro, velam



separando

a luz das trevas.



Sebastião Alba, Albas (pag.59)

Árvores do Alentejo, Florbela




Ao Prof Guido Battelli




Horas mortas... Curvada aos pés do Monte

A planície é um brasido... e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte!



E quando, manhã alta, o sol posponte

A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,

Esfíngicas, recortam desgrenhadas

Os trágicos perfis no horizonte!



Árvores! Corações, almas que choram,

Almas iguais à minha, almas que imploram

Em vão remédio para tanta mágoa!



Árvores! Não choreis! Olhai e vede:

- Também ando a gritar, morta de sede,

Pedindo a Deus a minha gota de água!



Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

quarta-feira, 30 de outubro de 2013


Pelagos 2


Oásis no mar profundo


o coral negro liberta

nas águas frias

moléculas de enxofre

que multiplicam as nuvens.



Companhas, lobos-do-mar,

príncipes, comandantes

divisar só alcançavam

terra estrelas

peixe sereias

e monstros de aterrar



Porém

o que está em cima

vem de baixo

e os corais invisíveis

do abisso

temperam

a cerúlea

superfície do mar.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Perseidas ou Aquaridas?

ISON-cometa C/2012 S1


Hoje percebi que as estrelas moribundas se mantêm obstinadamente penduradas nos interstícios do céu para nos maravilharem com o seu brilho

Vi também um meteoro radiante embater numa crina em desalinho e enxames de meteoroides lançarem-se, como baleias, para ( a ) terra, festejando com estrépito o seu fim ; fogo- de-artifício da abóbada celeste, na vertigem da queda ainda quiseram acolher desejos mudos.

Com a cabeleira em desalinho hão de irromper cometas na noite escura; cavalos ciclicamente cegos, provavelmente só os avistaremos uma vez.

«O cometa deste natal», in " me and the Universe»

Fotodependente

« Às vezes regressa/ na imóvel calma do dia a recordação/ daquele viver absorto, na luz assombrada.»
 A noite, Cesare Pavese, Trabalhar Cansa












segunda-feira, 28 de outubro de 2013

leda




Alba




Levad', amigo, que dormides as manhanas frías;

toda-las aves do mundo d'amor dizían.

Leda m'and'eu.



Levad', amigo, que dormide-las frías manhanas;

toda-las aves do mundo d'amor cantavan.

Leda m'and'eu.



Toda-las aves do mundo d'amor dizían;

do meu amor e do voss'en ment'havían.

Leda m'and'eu.



Toda-las aves do mundo d'amor cantavan;

do meu amor e do voss'i enmentavan.

Leda m'and'eu.



Do meu amor e do voss'en ment'havían;

vós lhi tolhestes os ramos en que siían.

Leda m'and'eu.



Do meu amor e do voss'i enmentavan;

vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan.

Leda m'and'eu.



Vós lhi tolhestes os ramos en que siían

e lhis secastes as fontes en que bevían.

Leda m'and'eu.



Vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan

e lhis secastes as fontes u se banhavan.

Leda m'and'eu

Nuno Fernandez Torneol ( CV 242, CBN 604)

Para os meus pais

que me ensinaram quase tudo, com muitas e sentidas saudades


This be the Verse




They fuck you up, your mum and dad

They may not mean to, but they do

They fill you with the faults they had

and add some extra, just for you.



But they were fucked up in their turn

By fools in old style hats and coats

Who half the time were soppy stern

And half at one another’s throats.



Man hands on misery to man.

It deepens like a costal shelf.

Get out as early as you can,

And don’t have any kids yourself.



Philip Larkin, Collected Poems

Aguenta-te Laurinha! Lou is gone.

« Tudo o que amei, amei sozinho» Edgar Allan Poe

domingo, 27 de outubro de 2013

Para os meus amigos

os que me conhecem


não me leem

os que não me conhecem

me lendo vão…

«ora esguardai»,

meus amigos,

que tamanha confusão!



Porque «palavras, leva-as o vento»?

ou é o Homem que as usa pra

esconder o pensamento?



Dizem uns «maria- rapaz»

«avis rara» ou canora

me chamam também de menina

olho verde de rapina

e ainda há quem de senhora…



Quer me leiam ou me conheçam

Quer seja verdade ou não

dos beijinhos não se esqueçam

e de um xiii-coração

que amanhã sou pequenina.

 











sábado, 26 de outubro de 2013

Componente do mundo- a de «mor espanto»

A hora está a mudar neste momento: teremos menos sol que tanta falta me faz... comecei a «dar» ( e a fotografar também...pelos não vistos ) erros ortográficos...estou mais perto dos que estão longe do que daqueles que mais perto deveriam estar...anda qualquer coisa bizarra no ar!



O vaso que deveria figurar no post anterior


Figueira da Foz ( há dois longos dias)







sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Fibrilações


Viaja sem qualquer bagagem:


Entre o que te salva

e o que te mata

nada substitui a aventura



O poeta caminha por palavras

bate em duros muros

com um surdo rumor

enterra-se no pó da língua



A nossa tarefa é entender o mundo

diziam os antigos

Já sabiam

Que o jogo somos nós

(the toys are us)



Ana Hatherly , Fibrilações

       

Mitilene e a lírica monódica

Poemas de Alceu


Diz o que queres: ouvirás

talvez o que não queiras

24 (341 L-P)

Escondiam-se, de medo, como as aves

ante a súbita aparição

duma águia rápida.

9 (10 L-P i.u.a.)

Que sobre a minha cabeça

que tantos trabalhos

suportou e sobre

o meu peito grisalho

perfume alguém derrame.

21 (50 L-P)

O vinho, meu amigo, e a verdade.

20 (366 L-P)

Precisamos de embriagar-nos, é preciso

que todos bebam sem descanso, agora

que Mirsilo morreu.

8 (332 L-P)

Divina Safo, a das tranças

de violeta e sorriso

de mel.

31 (384 L-P)
Albano Martins,« Alceu e Safo»





« E entendei que, segundo o amor tiverdes / Tereis o entendimento de meus versos» Camões




«Onde a carícia roçou a minha pele

nasceu um galho de espanto»



«…Sussurro-me líquida pela insónia noite

vibro-me ausência num trespasso de água

oscilo onda em que me escuto asa,

que luz me brisa a noite pela casa?»

Salette Tavares, Obra Poética, INCM

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Vento,água agreste > luz


Soava como chuva, até que rodopiou


e percebi que era o vento.

Caminhava tão encharcado como qualquer onda

e tudo varria como se areia fosse.

Mal acabava de partir

para uma longínqua planície

ouviu-se um som parecido com um exército –

Era mesmo a chuva!

Enchia os poços, alegrava os charcos,

chilreava entre as ruas,

abria as torneiras dos montes

e deixava que as águas se espalhassem;

soltava terras, erguia mares,

até inverter o centro de tudo,

depois, tal como Elias, desaparecia no céu,

levada pelas rodas de uma nuvem.

Emily Dickinson

Velutina negrithorax e chuvas

Canção da abelha


O sol de verão quase a acabar

As abelhas zumbem a sua canção

de luas amarelas

Vestidas de veludo negro

zumbem zumbem uma canção de embalar



Carl Sandburg ( trad. Jorge Sousa Braga)

    Esquecer-me de mim



Outubro chegou dominado pelas chuvas,

e os outros meses seguiram-no até aqui.

De repente este tempo amontoado ocupa tudo,

o verde da casa, as cadeiras, a manta que cobre o soalho

quando no verão me recosto a ler.

Em mim não é possível o abandono do tempo,

a graça que o esquecimento traz consigo

haver-me -ia salvado desta invasão.

Agora devo caminhar com cuidado

para não me maltratar com tantas memórias.

Enganar-me-ei ou será verdade o que vou dizer?

Renuncio a esta visita, a solidão não me amedronta.

Lauren Mendinueta, La Vocación Suspendida


quarta-feira, 23 de outubro de 2013



Les Cris Vains




Personne à qui pouvoir dire

que nous n’avons rien à dire

et que le rien que nous nous disons

continuellement

nous nous le disons

comme si nous ne nous disions rien

comme si personne ne nous disait

même pas nous

que nous n’avons rien à dire

personne

à qui pouvoir le dire

même pas à nous



Personne à qui pouvoir dire

que nous n’avons rien à faire

et que nous ne faisons rien d’autre

continuellement.

.ce qui est une façon de dire

que nous ne faisons rien

une façon de ne rien faire

et de dire ce que nous faisons

Personne à qui pouvoir dire

que nous ne faisons rien.

.que nous ne faisons

.que ce que nous disons

c’est à dire rien



Ghérasim Luca, Paralipomènes

Arte factos





Uma Arte

A arte de perder não é difícil de se dominar;

tantas coisas parecem cheias da intenção

de se perderem que a sua perda não é uma calamidade.



Perder qualquer coisa todos os dias. Aceitar a agitação

de chaves perdidas, a hora mal passada.

A arte de perder não é difícil de se dominar.



Então procura perder mais, perder mais depresssa:

lugares e nomes e para onde tencionava

viajar. Nenhuma destas coisas trará uma calamidade.



Perdi o relógio da minha mãe. E olha! a última, ou

a penúltima, de três casas amadas desapareceu.

A arte de perder não é difícil de se dominar.



Perdi duas cidades encantadoras: E, mais vastos ainda,

reinos que possuía, dois rios, um continente.

Sinto a falta deles, mas não foi uma calamidade.



— Mesmo o perder-te (a voz trocista, um gesto

que amo) não foi diferente disso. É evidente

que a arte de perder não é muito difícil de se dominar

mesmo que nos pareça (toma nota!) uma calamidade.



Elizabeth Bishop, tradução de Maria de Lourdes Guimarães

terça-feira, 22 de outubro de 2013

IESUS -by Teresinha




I Amo-o pela solidão do seu trajeto humano.

- o que faz no céu não me interessa;

apenas conta o seu ser compassivo que

se entregou sem retorno



II atravessou mares desertos templos e olivais

sem asas nos pés-como outros-

e

do alto da sua dor se finou

perplexo de abandono.



III Por isso o sinto amiúde dentro de mim

e com ele partilho o meu fervor.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Os aviões e a caixa


  










Quando era criança ia ver os aviões-enormes pássaros de aço-que aterravam num aeroporto imenso, trazendo muitas e desvairadas gentes no seu bojo.
Hoje, que já sou grande, entretenho-me a ver navios cujos passageiros nunca hei-de encontrar.
De há vários anos a esta parte guardo numa caixa de papelão postais e cartas que gostaria de receber e que escrevo-estando ou não em casa-meto num envelope abrilhantado pelo selo mais bonito da estação dos correios da praça e deixo no marco mais próximo.
Quando sufoco, perco-me nas ruas onde frequentemente avisto gente desvairada e respiro fundo.
Cobre a memória da tua cara com a máscara da que serás


e assusta a menina que foste.

Alejandra Pizarnik

«Estantigua»

4

Apenas teu foi o privilégio de uma vida única.

A mim calharam-me em sorte as ruturas, o desassossego, os

desvelos.

O que me fraturou não posso expressá-lo com palavras

altas,

por isso volto ao papel em busca de palavras anãs.

Noite após noite sacudo o ar, sacudo o ar ao passar

e o meu canto não é harmónico, nem distrai nem traz alívio,

é o canto que entoam os anões gigantes do teu pesadelo infantil.



Lauren Mendinueta, Del tiempo, un paso

«Redondos vocábulos»



domingo, 20 de outubro de 2013

Luz e raiz

Luz incendiada a desta hora

em que o dia solta a sua corda e

a asa sangrenta do ocaso cai.

Atrás das pedras amontoadas

algures na praia, perto,

um rosto deserto de beleza

conta o que é visível sobre a água.

Homens que regressam ao porto

sós, cansados e sem infância,

acompanharão o grito das gaivotas,

como terão ignorado vida após vida

a luz de bronze, pesada e cega,

de cada tarde. Para onde escapar?

Céu de que não temos memória,

luz incendiada a desta hora,

rosto deserto da sua beleza,

alento perdido, raiz do mundo,

porto Colômbia que te negas o consolo,

incendiada lâmpada da miséria.



Lauren Mendinueta, Vocacíon Suspendida

«Conversa debaixo das árvores»

O haver ainda árvores
andorinhas
poderia ser um consolo
ainda que elas já não saibam
o que é florescer, voar
e que nós continuemos
na sombra imóvel
a encostar palavras a palavras
como se nada nos faltasse
Hans-Ulrich Treichel, Como se fosse a minha vida


Convosco me deito
convosco me levanto
com a graça contida
no sopro do canto

«...Pois para quem haveis escrito
senão para quem vos ame e queira» Jorge de Sena, Visão Perpétua

sábado, 19 de outubro de 2013

defesa do poeta

Natália Correia



Senhores jurados sou um poeta

um multipétalo uivo um defeito

e ando com uma camisa de vento

ao contrário do esqueleto





Sou um vestíbulo do impossível um lápis

de armazenado espanto e por fim

com a paciência dos versos

espero viver dentro de mim





Sou em código o azul de todos

(curtido couro de cicatrizes)

uma avaria cantante

na maquineta dos felizes





Senhores banqueiros sois a cidade

o vosso enfarte serei

não há cidade sem o parque

do sono que vos roubei





Senhores professores que pusestes

a prémio minha rara edição

de raptar-me em criança que salvo

do incêndio da vossa lição





Senhores tiranos que do baralho

de em pó volverdes sois os reis

sou um poeta jogo-me aos dados

ganho as paisagens que não vereis





Senhores heróis até aos dentes

puro exercício de ninguém

minha cobardia é esperar-vos

umas estrofes mais além





Senhores três quatro cinco e Sete

que medo vos pôs por ordem?

que pavor fechou o leque

da vossa diferença enquanto homem?





Senhores juízes que não molhais

a pena na tinta da natureza

não apedrejeis meu pássaro

sem que ele cante minha defesa





Sou uma impudência a mesa posta

de um verso onde o possa escrever

ó subalimentados do sonho!

a poesia é para comer.





No centenário do nascimento de Vinicius de Moraes. 

Poeta militante

XIV


( Comício. Mais vale morrer de pé do que viver de «rodillas».)



Oh! Esta comoção

de me sentir sozinho

no meio da multidão

-a ouvir o meu coração

no peito do vizinho.



Oh! Esta solidão

quente como a camaradagem do vinho!



J.G.Ferreira, Heróicas



VII

Um dia virás,

Tu- que- eu-não- sei- quem- és,

com leveza de gás

no silêncio dos pés…



Um dia virás,

Tu-para- além- do- afago,

com o ruído que faz o luar no lago…



Um dia virás ,

Tu- por- quem- a- minha- voz- já- não- chama,

com mãos de tenaz

e frio de chama…



Um dia virás

com asas nos tornozelos

por caminhos sem chão…



Sim, um dia virás

a deitar fogo aos cabelos

para me iluminar o coração.



Um dia virás!

Um dia virás!

J.G.Ferreira, Eléctrico

A.Pimenta, Volto já.













sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Gaúcha e iconoclasta...olhem só!

Remédio para a insónia


Rilke Shake


… «nada bate um rilke shake

no quesito anti -heartache

nada supera a batida

de um rilke com sorvete

por mais que você se deite

se deleite e se divirta

tem noites que a lua é fraca

as estrelas somem no piche

e aí quando não há cigarro

não há cerveja que preste

eu peço um rilke shake

engulo um toasted blake

e danço que nem dervixe»



Angélica Freitas, Rilke Shake


«...As gralhas gritam. Naturalmente voam/em voo vibrante para a cidade. Quem/ não tem pátria olha/ para o céu.»
Ulla Hahn, Asede entre os limites...


Vilancete

Entre mim mesmo e mim
não sei que se alevantou,
que tão meu imigo sou.

Uns tempos, com grande engano,
vivi eu mesmo comigo,
agora no mor perigo
se me descobre o mor dano.
Caro custa um desengano
e pois me este não matou
quão caro que me custou.

De mim me sou feito alheio,
entre o cuidado e cuidado
está um mal derramado
que por mal grande me veio.
Nova dor, novo receio
foi este que me tomou:
assim me tem, assim estou.



RIBEIRO, Bernardim. "Entre mim mesmo e mim". In: SILVEIRA, Francisco Maciel (org.). Poesia clássica São Paulo: Global, 1988.