terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Ensaiar o « Vislumbre»

Vislumbre

A horas flébeis, outonais - 
Por magoados fins de dia - 
A minha Alma é água fria 
     Em ânforas d'Ouro... entre cristais...


Mário de Sá-Carneiro, (1890-1916)





segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

1 dálmata

Foto gentilmente cedida por J L Macedo
CÃO DE LOUÇA

 Croatia (maybe) 
 Dalmatian(s)- the 101  Dodie (Dorothy Gladys Smith)
 Disney Studios (twice)
 SylvaC (decorative Dogs) Sacavém ceramics (maybe)
 (contemporary) Sculptor’s shame
 Private Jokes

domingo, 27 de dezembro de 2015

Pernilongos, os mosquitos



NO EXISTE EN LA NOCHE EL AMOR, EXISTEN LOS AMANTES

El deseo es un mosquito
que ronda tu piel en el centro de la noche.
Te persigue cuando tienes más cansancio,
te atosiga justo cuando estás a punto
de caer en el pozo del sueño
y despiertas en el centro de la sed.
No te reconoces en el espacio que te rodea.
Tu recámara en la penumbra
parece una prisión sin dimensiones
y te sofoca el zumbido
del negror en las paredes.
El estruendo del viento
sacude tu sordera
y aterrizan tus huesos
en las noches que trituras
para recobrar la sensación que llamas tiempo.
Pero nada pasa.
Apenas te queda el recuerdo del movimiento,
como cuando quieres gritar en un sueño
y no sale nada de tu boca.
Entonces notas que estás encadenado a una cama
a donde vienen los mosquitos cada noche
a perforarte la piel
para extraer la sangre de tu río subterráneo.
La noche es un deseo desesperado
de encallar en la otra orilla
antes que el sol asome tras las rocas.
Eres un barco aletargado
circundando un promontorio
de peñascos al desnudo.
Eres el mosquito para quien
el hambre es lo mismo que la sed,
la noche lo mismo que el deseo.

Violeta Orozco, México,1989


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Onde os pássaros cantam


Hope is the thing with feathers

Hope is the thing with feathers
That perches in the soul,
And sings the tune without the words,
And never stops at all,

And sweetest in the gale is heard;
And sore must be the storm
That could abash the little bird
That kept so many warm.


I’ve heard it in the chillest land,
And on the strangest sea;
Yet, never, in extremity,
It asked a crumb of me.

 Emily Dickinson,  (1830-1886) 


sábado, 19 de dezembro de 2015

« desmallarmento»


estatuto do desmallarmento

minha senhora, tem um mallarmé em casa?
 você sabe quantas pessoas morrem por ano
 em acidentes com o mallarmé?

estamos organizando uma consulta popular
para banir de vez o mallarmé dos nossos lares
 as seleções do reader’s digest fornecerão

contêineres onde embarcaremos os exemplares,
no porto de santos, de volta para frança.
seja patriota, entregue seu mallarmé. olê.


Angélica Freitas, Brasil (1973)



quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Breve e furtiva



escrevi um curto poema trémulo e severo,
sete ou nove linhas,
e a densa delicadeza dessas linhas
era cortada por uma ferida cega,
mas aquilo que o alimentava e unia
- fundo, devastador, incompreensível -
nem eu sabia o que era:
talvez a técnica atenção da morte
vigiasse arte tão breve, tão furtiva



Herberto Helder, ( 1930 -2015)





segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Alerta vermelho

Fotografia de Luciana Magalhães




Sedia-m'eu na ermida de San Simion


Sedia-m'eu na ermida de San Simion
e cercaron-mi as ondas, que grandes son,
eu atendendo meu amigo.

Estando na ermida ant'o altar,
cercaron-mi as ondas grandes do mar,
eu atendendo meu amigo.

E cercaron-mi as ondas, que grandes son:
non hei i barqueiro, nen remador,
eu atendendo meu amigo.

E cercaron-mi as ondas do alto mar:
non hei i barqueiro, nen sei remar,
eu atendendo meu amigo.

Non hei i barqueiro, nen remador:
e morrerei fremosa no mar maior,
eu atendendo meu amigo.

Non hei i barqueiro, nen sei remar:
e morrerei eu fremosa no alto mar,
eu atendendo meu amigo.



Meendinho, (séc  XIII ou XIV)


sábado, 12 de dezembro de 2015

WARS...


The Dead at Quang Tri

This is harder than counting stones
along paths going nowhere, the way
a tiger circles and backtracks by
smelling his blood on the ground.
The one kneeling beside the pagoda,
remember him?   Captain, we won’t
talk about that.  The Buddhist boy
at the gate with the shaven head
we rubbed for luck
glides by like a white moon.
He won’t stay dead, dammit !
Blades aim for the family jewels;
the grass we walk on
won’t stay down.


Yusef Komunyakaa, EUA, 1941


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

E



Conjunção E

Vimo-nos pela primeira vez no domingo. Não, não foi assim
 já nos tínhamos visto antes mas não foi.
 Tu tomavas o  café usando a palhinha como se
 fosses uma ave errante que se detém a contemplar um cavalo num abrigo.
 E tomaste a minha mão, tomaste-me pela mão. Tomaste-me a mim.
 E a árvore dos frutos vermelhos e a montanha e a montanha.
 E rimo-nos e escutámos e, meu  Deus, todas as coisas se tornaram lixo.
 E a árvore dos frutos vermelhos e a casca e a casca grossa.                          .
 E possuiamo-nos um ao outro sem pausas como animais numa toca.
 E se cada coisa depois destes eventos é triste então não somos estas coisas.
 E crescemos entre o lixo e brincando com o lixo.
 E tu acaricias a minha pele com pequenas pérolas. E é quase janeiro
 E há  aqui, perdoa-me, uma magnólia rosa com as suas pétalas de línguas de cachorro
 que se precipitou num fundo cinza e cada vez que dou um passo
 que atravesso estes milagres, recordo o cheiro da tua mão
 arrancada de mim, arrancada de ti.


  Polina Barskova,  Rússia, 1976

   ( a tradução, do espanhol, é minha)





Союз И

Мы встретились в воскресение нет не то
Мы встречались и раньше но это было не то
Ты кофе пил через трубочку да ну и что
Голь перекатная птица залетная конь в пальто.
И ты взял меня за руку взял меня на руку взял меня.
И дерево в красных ягодах и гора и гора
И мы смеялись и слушали и Господи всё фигня
И дерево в красных ягодах и кора и кора.
И мы имели друг друга не останавливаясь как звери в бойницах нор.
И хоть всякая тварь после событья печальная да мы не всякая тварь.
И мы росли из всякого сора и мы разгребали сор.
И ты втирал мне в кожу зерна жемчужны. Вот уже и январь
И у нас тут я извиняюсь магнолии распустили песьи свои языки
Розовые на сером фоне осадков и каждый раз, проходя
Мимо этих чудес вспоминаю запах твоей руки

Оторванной от меня оторванной от тебя.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A casa



TÃO TRISTE, A CASA


Tão triste, a casa. Como a deixam, se mantém,
Moldada no aconchego do último que sai,
Como que para tê-lo uma vez mais. Porém,
Sem gente a quem agrade, ela decai;
Não tem coragem de esquecer o roubo, nem

Se lembra do que foi muitos anos atrás — o
Alegre ensaio do que deveria ser,
Há muito malogrado. Vê-se o que era a casa
Olhando os quadros que estão lá. Cada talher.
As músicas no banco do piano. O vaso.

Philip Larkin, Inglaterra, (1922- 1985)


    (trad de Alípio Correia de F Neto)



sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

«Troubles»



Turtles

A cubit-wide turtle acting the bin lid
by the side of the canal
conjures those Belfast nights I lay awake, putting in a bid
for the police channel
as lid-bangers gave the whereabouts
of armoured cars and petrol-bombers lit one flare
after another. So many of those former sentries and scouts
have now taken up the lyre
I can’t be sure of what is and what is not.
The water, for example, has the look of tin.
Nor am I certain, given their ability to smell the rot
once the rot sets in,
that turtles have not been enlisted by some police forces
to help them recover corpses.


Paul Muldoon, Irlanda do Norte, 1951,  in  Troubles  

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Isso é que é falar! - T.J.Dema, do Botswana




Olhar que
        brado
 pezinhos
 de lã
 falinhas muito
        mansinhas
de oráculo

 à pála do odre
 p’la manhã
 hálito podre...

Abre teu olho inda
 vivo
 foge a sete pés
 que é  OGRE.. 

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Enigmas


10. uma caverna iluminada

Talvez um homem na África do Sul tivesse notícia de um homem na China ou de um homem mumificado na Europa do Norte, até que um deus aparecesse exibindo uma estranhíssima bondade espalhada na árvore coberta de todas as folhas. Mesmo que aquela intensidade da palavra voltasse a preencher enigmas no tecto de uma caverna iluminada pelo ensaio do fogo.


António Ferra, EstaçãoSuspensa, Europress, Lda, Lisboa, 2009






sábado, 21 de novembro de 2015

A fala do Índio


...«Deixai-me ser um homem livre - livre de viajar, livre de parar, livre de trabalhar, livre de negociar onde escolher, livre de escolher os meus próprios mestres, livre de seguir a religião de meus pais, livre de pensar, de falar e de agir por mim próprio - e hei-de então obedecer a todas as leis, ou submeter-me ao castigo delas».    14/1/1879


excerto final do discurso do Chefe Joseph (tribo dos Nez Percé ), aos membros do  Ministério e do Congresso dos EUA, para que os deixassem sair da reserva  onde os desterraram e voltar ao território que lhes pertencia, em Wallowa Valley (Oregão).






quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Cais

desenho de Eduardo Salavisa



Juntos estamos mais perto;
no entanto
esteja atento nas entradas e
nas saídas:
proteja os seus bens!
E ainda,
para sua segurança não
ultrapasse a faixa amarela existente
no cais.

ML, in Viagem Viva Viagem






quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Tinto barato com Baudelaire



Cheap Red Wine

After Galway Kinnell’s ‘Oatmeal’
Most nights I drink cheap red wine.
I drink it alone.
I drink from a Baccarat crystal wine glass
of which I have only one and that is why I must drink alone.
Popular wisdom tells me it is not good
to drink alone.
Especially cheap red wine.
The dank and cloying aroma is such that a feeling of sorrow
can too easily twist into despair.
That is why I sometimes think up an imaginary companion
to drink with. To ward off the despair.
Last night, for instance, I drank with Charles Baudelaire.
He drank from the bottle
owing to the single Baccarat wine glass.
Charles (he begged me to be familiar) said he was grateful
for the invitation.
He hadn’t been getting out as much as he used to.
I apologised for not thinking
to invite him sooner and asked after Jeanne Duval,
if he had seen much of her lately.
He sighed. Dans l’amour il y a toujours un qui soufre
pendant que l’autre s’ennui. In love,
there is always one who suffers while the other gets bored.
I nodded and refilled my glass.
Charles read to me from Fleurs du Mal,
as the evening breeze blew through the open window,
and I confessed to him my anthophobia,
how sometimes the scent of flowers can fill me with unshakable dread.
He nodded gravely.
Such a feeling, he said, inspired him to write
the lines: arrangements of flowers encoffined in glass exhale their ultimate breath;
and, I prefer the autumnal fruits over the banal blooms of Spring.
He shuddered and finished off the bottle.

Deep into the night Charles read to me,
and as I fell asleep in his arms I had the idea
that communing with the dead needn’t be a mystical activity.
It may require no more than a glass
or two of cheap red wine
and listening, intently, to the bodily meanings
of ghostly words.

Bronwyn Lea, Austrália

domingo, 15 de novembro de 2015

Aurora


A la Aurora

1.113

La luz se aproxima, la más bella de las luces:
el radiante mensajero ha nacido ya poderoso.
La Noche había surgido impulsada por Savitar:
ahora cede su lecho a la Aurora.

La brillante ha venido en toda su blancura con su ternero esplendente;
La negra ha dejado su lugar ante ella:
una y otra de la misma raza, siguiéndose mutuamente de manera infinita,
las dos mitades del día avanzan alternando sus colores.

Común e ilimitada es la ruta de las dos hermanas;
e instruidas por los dioses, una tras otra la siguen.
Ni se tropiezan ni se detienen, están bien ajustadas,
Noche y Aurora, de un mismo corazón aunque de aspecto diferente.

Resplandeciente guía generosa, ella ha aparecido;
radiante, nos ha abierto las puertas.
Actividad de los seres vivientes, ha revelado nuestras riquezas:

 la Aurora despierta todas las cosas.

   (...)

do Rig Veda, Mandala 1, (1500-1200 a.C. )

    (tradução, do sânscrito, de Juan Miguel de Mora)



sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Les«Fous» sont rentrés dans Paris


(...)

Dans une nuit à queue leu leu
Dès que ça flaire une ripaille
De morts sur un champ de bataille
Dès que la peur hante les rues
Les fous s'en viennent la nuit venue... alors

Les fous, ououh! ououououh!
Les fous sont rentrés dans Paris

 (...)

Serge Reggiani




quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Whether you like it or not

verão de São Martinho/ été indien castanhas e vinho cowboys e índios
       cor nas folhas caducas: o outono no seu mais belo estertor.

40 anos da independência de Angola; a morte sempre ceifando;
 o 1º dia de um governo-surpresa que «promete»...
e uma reacção corajosa a propostas e respostas light na literatura



     



domingo, 8 de novembro de 2015

Electrónica


Na década de 70 do século passado, VN escreveu este poema semanticamente electrónico: nele a palavra ordenador figura em vez de computador, por ser polissemicamente mais rica.

 

SEMÂNTICA ELECTRÓNICA    

Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenhador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordens
Coordenadas
Seja a quem for.
Então resolvo tomar ordens
Menores, maiores.
E sou ordenado,
Enfim ‑ o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
‑ Mas ‑ diz-me a ordenança ‑
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, você agora é padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha.
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
São ordens...
Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada é nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!


Vitorino Nemésio ( 1901-1978)

Quando o li, apreciei-lhe antes de tudo o ritmo; depois, o jogo não apenas com os diferentes sentidos de um neologismo cuja raiz é a palavra ordem, mas também com uma sua parónima-  ordenhar; posto isto e finalmente, a ironia refinada que dele se desprende suplantando a nomeada tristeza. 
Hoje penso que ainda não foram exploradas pelos humanos, em seu favor, todas as potencialidades desse mundo cibernético. Mas isso é um outro assunto...

Ernesto de Sousa

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Poéticas extraterritoriais


Um marciano manda um postal para casa

Caxtons são pássaros mecânicos de muitas asas
 E alguns são muito apreciados pela coloração –

fazem os olhos derreter-se
 ou o corpo gemer de dor.

Nunca vi nenhum voar, mas
 às vezes pousam na mão.

 Névoa é quando o céu está cansado de voar
 e descansa no chão a máquina macia:

 então fica o mundo baço e livresco,
 como gravuras sob papel de seda.

A chuva é quando a terra é televisão.
 Tem a propriedade de tornar as cores mais escuras.

O Modelo T é um quarto com a fechadura dentro-
 dá-se a volta à chave e o mundo fica livre

 para o movimento, tão veloz que há um filme
 para ver tudo o que  passou despercebido.

Mas o tempo está atado ao pulso
 ou guardado numa caixa, fazendo um tiquetaque de impaciência.

Em lares, dorme um utensílio assombrado
 que ressona quando alguém lhe pega.

Se o fantasma chora, levam-no
 aos lábios e sossegam-no com sons

 até dormir de novo. E no entanto acordam-no
 de propósito, fazendo-lhe cócegas com um dedo.

Só às crianças se permite que sofram
em público. Os adultos vão para um quarto de castigo

 com água, mas sem nada de comer.
 Fecham a porta à chave e sofrem sozinhos

 os barulhos. Ninguém está dispensado,
 e a dor de cada um tem um cheiro diferente.

À noite, quando as cores todas morrem,
 escondem-se aos  pares

e lêem acerca de si próprios
 A cores, de pálpebras cerradas.

Craig Raine, Inglaterra, 1944

  (tradução de João Ferreira Duarte


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Bésame mucho, Martín



Besaba todo el día y no tenía tema de conversación

“No tenía”, ¿de dónde esa necesidad,
acaso urgencia, de contacto, verbal?
¿no consiste, como pretenden, el tacto
un acto de comunicación, de comunión,
un código interno el cuerpo, la piel-alfabeto
apropiándose, asignándole a cada gesto?
“Tema de conversación, no tenía”, como
que fuéramos procesadores de textos
simplemente, si el silencio, “besaba”, no
abriera un canal, de aire, “todo el día”,
a cualquier posibilidad, más que verbal,
“de conversación”, de estar ahí pero estando
sin mediar palabra y no fuera posible estar
en un lugar sino a través de lo dicho, “tema de”,
o transmutándolo en, codificándolo, un espacio
intertextual, piel-alfabeto, sobreentendiendo que
repugnamos, aunque habitable, el vacío por in-
significante. “Besaba”, por eso “no tenía”, o
“no” y, por eso, “besaba”. Con qué necesidad
debe, “todo el día”, haber palabras entre, de por
medio, entre nos, intervenir sin mayor sentido
que constatar del otro la presencia al otro
extremo, encubriendo una radiación o ruido de
fondo o agujero por donde lo innombrable
se filtre, lo no otro, lo mismo.

Martín Moureu, Argentina, 1981


quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Serge Gainsbourg, un «lyriciste» à lire

Je sais moi des sorciers qui invoquent les jets
 Dans la jungle de Nouvelle-Guinée
 Ils scrutent le zénith convoitant les guinées
 Que leur rapporterait le pillage du fret

Sur la mer de corail au passage de cet
 Appareil ces créatures non dénuées
 De raison ces papous attendent des nuées
 L’avarie du Viscount et celle du Comet

 Et comme leur totem n’a jamais pu abattre
 A leurs pieds ni Boeing ni meme D.C. quatre
 Ils rêvent de hijaks et d’accidents d’oiseaux

 Ces naufrageurs naïfs armés de sarbacanes
 Qui sacrifient ainsi au culte du cargo
 En soufflant vers l’azur et les aéroplanes.

(excerto de Histoire de Melody Nelson), in

  Serge Gainsboug,  Mon propre rôle 1, textes, Ed Denoel, 1987,1991


terça-feira, 3 de novembro de 2015

O senhor Antunes...









 The Lake Isle

O GOD, O Venus, O Mercury, patron of thieves,
Give me in due time, I beseech you, a little tobacco-shop,
With the little bright boxes
piled up neatly upon the shelves
And the loose fragrant cavendish
and the shag,
And the bright Virginia
loose under the bright glass cases,
And a pair of scales
not too greasy,
And the volailles dropping in for a word or two in passing,
For a flip word, and to tidy their hair a bit.

O God, O Venus, O Mercury, patron of thieves,
Lend me a little tobacco-shop,
or install me in any profession
Save this damn’d profession of writing,
where one needs one’s brains all the time.

 Ezra Pound, EUA, (1885-1972), Poetry A magazine of versesetembro 1916

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Ir vivendo



(...) É fácil estar sempre alterando o jogo
 Variando o sentido das regras ad libitum
 ad hoc, ad gloriam, ad honores, ad nauseam
 ad verbum, ad litteram, sine ira et studio
 Pescando na excepção sempre outra coisa
 Dando ditos por não ditos, esquecendo o ter dito
 Com toda a simplicidade, sem má fé nenhuma
 Só porque viver é isto, uma salada de sucederes
 E a gente é pouco, a gente é assim mesmo, pequenos
 E estamos sózinhos habitando um saco de pele.



 Mudamos vírgulas, corrigimos provas
 Passamos inquietos sobre as cristas volúveis
 De inquietos ditongos, alteramos as pautas
 Lavamos as mãos em sangue indelével...
 Encerramos momentos-boda por garrafas gregárias
 E o nosso rasto é um eco pungente, fios de cheiro
Talhando contornos à neblina, modelando fantasmas
 Que ficam para trás para que acreditemos
 Que viver não foi assim tão completamente inútil
 E que ir vivendo não é nocivo, não é só irracional...
                                        (...) 
João Pedro Grabato Dias in  facto/fado,   ed do autor, Porto, 1986

domingo, 1 de novembro de 2015

«Os maus das fitas»


Golge  Sombra

É uma sombra, azul
 cores insaciáveis nos matizes
 caindo sobre o coração, sombras

 seria amor- ou outra coisa qualquer
 as neblinas do norte, prateado gélido
 –  demasiado cedo para tudo
 para retroceder  à evocação

 agora a noite chega rapidamente
 com sombras sempre  tamanhas

Murathan Mungan, Turquia, 1955


   (Jean Carpenter Efe traduziu para inglês; eu, para português)




                 PS: Vou ver Axilas, quando estiver pronto para ser exibido...
                                                e mais, não digo.

sábado, 31 de outubro de 2015

Uma pausa




(...) Vou-me vendo melhor. Não procuro o repouso
 Procuro inquietamente uma pausa. Não é igual.
 Vivo da confusão porque nada é tão simples
 Nem tão humano como deixar-me ir no arraste
 Entre lodos, recifes e algas arbóreas.

  Se procurasse o repouso repousaria, pousaria
 Todo o peso da cabeça num penedo de musgo
 Apascentando um rebanho de cães, atentos por mim
 Controlando um débito parco de ideias sucessivas
 Pautadas por um apenas perceptível ritmo solar
 Por um vale plano entre duas ribeiras.

 Mas sou marinho e montês. Golfinho e cabra.
 Todo o meu ritmo é de água até à água.
 Corro entre pedras, precipito-me, remanso
 Serpenteio gargalho separo-me resumo-me
 Participo na onda na nuvem na chuva
 E, como sempre, cíclico! Visto que
 Toda a confusão tende ao ciclo.

Só o repouso é linear, ausente de cristas
 Daí que a morte seja justamente aquele eterno repouso
 E nascer, vir do nada, explique muito bem
 Esta saudade inexplicável do repousar
 Transportada no dorso póstumo de cada acção.(...)

João Pedro Grabato Dias, in facto/fado , ed do autor, Porto,1986

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Neste dia de « mudança »: Grabato dias versus luiz vaz



actualização do soneto VII de luiz vaz

Mudam-se os templos, mudam-se as vontades
muda-se o crer, muda-se a mudança
e o pó facundo, imposto à confiança
geral, esporrinha (mal) liberalidades.

Continuamente TêVêmos suaves
dirigentes na rota da esperança;
do aval esticam anáguas de faiança
que tem, o algum bem, das raridades
.
Jumento-cobra cobre o cão, e o espanto
desta anti bio lógica heresia
em mim adverte o coro em que não canto
.
E afora este mudar de bateria
nenhuma outra mudança dá o arranco
final à encalhada ferraria.

J P Grabato  Dias, (1933-1994)


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

«Dans la suite des jours»-7ème volume


10
pose le
jour
pose la
nuit
ce sont
draps
de ton
lit
berceau
cercueil
autre
vient
pose
tout
dans
l’ombre
soleil ou
lune
pose
ne refais
pas
l’ourlet
rouvre
la
cicatrice
l’éloge
du
temps

Michaël Glück , França (1946)




terça-feira, 27 de outubro de 2015

Males e Infernos

Instalação de João Francisco Vilhena


É um vão de verdura onde um riacho canta
A espalhar pelas ervas farrapos de prata
Como se delirasse, e o sol da montanha
Num espumar de raios seu clarão desata.

Jovem soldado, boca aberta, a testa nua,
Banhando a nuca em frescas águas azuis,
Dorme estendido e ali sobre a relva flutua,
Frágil, no leito verde onde chove luz.

Com os pés entre os lírios, sorri mansamente
Como sorri no sono um menino doente.
Embala-o, natureza, aquece-o, ele tem frio.

E já não sente o odor das flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão sobre o peito,
Tem dois furos vermelhos do lado direito
.

Arthur Rimbaud , França (1854-1891)
    ( tradução de Ferreira Gullar )


« A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer.
 Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos.» 
 Mia Couto, Mulheres de Cinza, Editorial Caminho, Lisboa, 2015

escultura de Miguel Angel Recoba 

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Uma espécie de fábula





«… Quem se verga à servidão fá-lo porque, como o elefante de Kipling, esqueceu a sua própria força. Quando se lembrar dela e se dispuser a assestar uma bela trombada no primeiro que se atreva a picá-lo, talvez haja paz no jardim zoológico».


Claudio Magris, Danúbio, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1992 (p  211)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Quem somos? Amanhã seremos outros


Quem somos, senão o que imperfeitamente 
sabemos de um passado de vultos 
mal recortados na neblina opaca, 
imprecisos rostos mentidos nas páginas 
antigas de tomos cujas palavras 

não são, de certo, as proferidas, 
ou reproduzem sequer actos e gestos 
cometidos. Ergue-se a lâmina: 
metal e terra conhecem o sangue 
em fronteiras e destinos pouco 

a pouco corrigidos na memória 
indecifrável das areias. 
A lápide, que nomeia, não descreve 
e a história que o historia, 
eco vário e distorcido, é já 

diversa e a si própria se entretece 
na mortalha de conjecturados perfis. 
Amanhã seremos outros. Por ora 
nada somos senão o imperfeito 
limbo da legenda que seremos.

Rui Knopfli, Moçambique (1932-1997)

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

o grito do(s) que morre(m)


 Correcciones

Como un cabalista
desnudo el símbolo del habla,
me trepo al verbo, gastando las acciones,
me vuelvo sustantivo,
                     mudo,
                    enajenado,
                    un corcho en tus pupilas;
y amando tu silencio,
      el yunque de la lengua,
me pego al grito del que muere;
y haciéndome adjetivo
me compadezco tanto
que el filo del paréntesis

me anula el alma.


Carlos J. Aldazábal, Argentina, 1974