sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Frases feitas



        Homem
 de peso   de chaço  de palavra
   de uma figa  
de letra redonda   de tretas
do mundo  das calças pardas      
      das arábias
dos 7 ofícios   dos diabos
todo inteiro- um mané-côco...
      Homem de Deus!     
Ricaço de unhas rentes  
Santo de pau carunchoso
 Peixe graúdo  Pilha- galinhas
 Honrado como a porca de Murça  
          Pé de boi, chão
 Seca-adegas        Pinga-amor  

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

«Pada» de Mirabai


Não sei amiga o que irá
 acontecer entre o meu Amado
 e eu  Veio até mim  mas
 foi-se embora enquanto
 dormia  Vou rasgar em duas
 as minhas vestes  comprar
 um sari amarelo  deitar
 os braceletes fora  deixar
 o cabelo cair-me sobre
 os ombros  O desejo
 assola-me noite e dia
 Mira diz  Uma vez juntos
 os amantes não se devem
 separar

Mirabai, Índia (1498 d.C.-1546)


      (versão de Jorge Sousa Braga)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

« A lua no cinema»


 A LUA NO CINEMA
   A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
   a história de uma estrela
que não tinha namorado.

   Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
   dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

   Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
   e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

   A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
   que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!


Paulo Leminski, Brasil (1944-1989)


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Limpidez


COLOCANDO-SE fronteiros dois espelhos, duas imagens se formam,
                                  -qual delas mais vazia?
Dissolvendo-se água límpida em água límpida, ficam ambas de uma
                                 mesma limpidez

                    Dinastia Tang; lenda budista (618-907)

                                (trad de Camilo Pessanha)





domingo, 25 de dezembro de 2016

Ah pequeninas estrelas!


Ah pequeninas estrelas!
 Nascente- Escorpião, e a Hidra.
Furtivas na sombra passamos
 Manhã e noite o Palácio
 Não somos todas iguais.

Ah, bruxuleiam estrelas!
 Orion e mais as Plêiades.
Modestas passamos sombra
Levamos pano e camisas
 Visto a condição diferente.

Anónimo, China- Shijing
 (1200-700 antes da Era Actual)


        ( trad Gil de Carvalho)


sábado, 24 de dezembro de 2016

Começo, surrealistas e minha história- em construção


POEMA DO COMEÇO

Eu num camelo a atravessar o deserto
 com um ombro franjado de túmulos numa mão muito aberta

Eu num barco a remos a atravessar a janela
 da pirâmide com um copo esguio e azul coberto de escamas

Eu na praia e um vento de agulhas
 com um Cavalo-Triângulo enterrado na areia

Eu na noite com um objecto estranho na algibeira
 – trago-te Brilhante-Estrela-Sem-Destino coberta de musgo


António Maria Lisboa, (1928-1953)







sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

«1º poema para a noite invariável»


5 Poemas para a noite invariável

  I
Posso estar aqui
 eu posso estar aqui perfeitamente pobre
 um círio me acendi espora aguda
 o vento ritmo negro assassinou-o

posso estar aqui
 – o musgo é lento como a sombra -
 e sei de cor a voz cega das canções
 (viola de silêncio acorda-me)

que eu posso estar aqui perfeitamente pedra
 insone
 e um longo segredo impessoal
 bordando a minha solidão


Luíza Neto Jorge, (1939-1989)


quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sur les marges





                                Je calligraphie
                      Je chinoise

                                                         Puis je pars sur les marges 


                           Marie-Ange Sebasti, França (Córsega)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O melhor do inverno: geosmina e petrichor


Geosmina e  Petrichor

No ponto mais baixo do céu
o Sol ilumina a Terra
No dia mais breve do ano
 aquece-a, armazenando
  oculto vapor 
que há-de ser
 de novo água:
 chuva
 molhando a terra as pedras
 as rochas que antes
 e depois
soltam
 os seus mais secretos
   perfumes


terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Canção sombria


DUNKLES LIED

Rings ist das Leid
Und rings die Welt die dunkel fällt.
Ich bin in schwarzem Strom eineinsam hingespieltes Wiegen.
In mir ist Nacht.
Stern ohne
Tod
und Gräber.

Kurt Heynicke,  Alemanha (1891- 1985)

CANÇÂO SOMBRIA

Em redor há a dor
E em redor há o mundo que cai sombrio.
 Eu sou no negro rio um embalar, para ele jogado em solidão.
 Em mim há noite.
 Estrela sem
 Morte
 nem túmulos.

                              ( trad de João Barrento)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

O Azul


Para encontrar o azul eu uso pássaros
As letras fizeram-se para frases

Machado de Assis

domingo, 18 de dezembro de 2016

No berço da Humanidade


IN THE CRADLE OF HUMANKIND


Geological time locates us
at the crossroads of hominids and democracy,
wiser or younger or older or more harmonized
than the non-miraculous nations of the world.

We used to be teeth like grubby stones
packed solid in warm earth.
Our teeth were enough to tell
the fossilised story of our lives.

Something unearthed us,
broke us open, flung us out
into the big black nowhere of the universe.

Something rearranged the coal dust of our souls
so that we could have the momentary radiance of flowers,
and become rubies more precious than blood.

Karen Press, África do Sul (1956)


sábado, 17 de dezembro de 2016

No vale do Nilo ainda- mais uma canção



Tê-la visto
Tê-la visto aproximar-se
 Com tanta beleza é
 Alegria para sempre no meu coração.
 Nem o tempo eterno pode retirar-me
 Aquilo que ela me trouxe.

 Egipto, (1567- 1985 a. C)


              Trad: Helder Moura Pereira

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Cores variadas, num «som» único.


BLUES

Eighteen years I've spent in Manhattan.
The landlord was good, but he turned bad.
A scumbag, actually. Man, I hate him.
Money is green, but it flows like blood.


I guess I've got to move across the river.
New Jersey beckons with its sulphur glow.
Say, numbered years are a lesser evil.
Money is green, but it doesn't grow.


I'll take away my furniture, my old sofa.
But what could I do with my windows' view?
I feel like I've been married to it, or something.
Money is green, but it makes you blue.


A body on the whole knows where it's going.
I guess it's one's soul that makes one pray,
even though above it's just a Boeing.
Money is green, and I am gray.



Joseph Brodsky ( 1940-1996)


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Rimas dos dias soalheiros


No pólo sul faz um frio que não consigo imaginar...
    um norueguês no entanto
               conseguiu lá chegar.

Tiro-lhe o meu chapéu- que,
         por acaso,
     nem preciso de usar 
         porque

estou em casa, mais a norte
- do verão já não me lembro- 
   só penso na grande sorte
  que é ter sol em dezembro!


       
 
 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Pedra branca



Mais ligeiros do que um pássaro que anda sobre a neve
Os pés da minha amada vêm ao meu encontro.
Veste umas calças azuis como o céu de maio.
 A corrente do ribeiro traz uma pedra branca.


 China, Canção popular de Hunan

(traduzida por mim- do francês )




sábado, 10 de dezembro de 2016

Cosmonautas, astronautas e não só...


A propósito da morte de John Glenn,


Youri Gagarine

 Le 12 avril 1961, il a été le premier humain à rentrer dans l'espace
et le premier à faire le tour de la Terre.
L’homme ne veut quitter son lieu.
Il dit que la technique est périlleuse,
qu’elle s’insinue dans notre rapport au monde,
que les vraies civilisations sont celles au caractère stable,
que le nomade est incapable d’acquisition.
Qui est cet homme ?
Chacun d’entre nous,
dans les moments où il cède à la pesanteur.
Ce même homme a subi un traumatisme
le jour où Gagarine devint l’homme de l’espace.
Cet événement est désormais oublié ;
mais l’expérience se renouvellera sous d’autres formes.

Et dans ces cas, nous devons être à l’écoute de l’homme de la rue,
de celui qui ne réside pas.
Celui-ci a admiré Gagarine,
celui-ci l’a admiré pour son courage,
pour l’aventure, et aussi en hommage au progrès ;
mais un d’entre eux a nommé la bonne raison :
c’est extraordinaire, nous avons quitté la terre.
Ici gît, en effet, la vraie signification de l’expérience :
l’homme s’est défait du lieu.
On a eu l’impression, du moins pour un instant,
de quelque chose de décisif :
loin – dans une distance abstraite et de pure science –
soustrait à la condition commune qui est symbolisée par la force de gravité,
il y avait quelqu’un, non plus dans le ciel,
mais dans l’espace,
dans un espace qui n’a ni être ni nature
mais qui est purement et simplement la réalité d’un (presque) vide mesurable.
 L’homme, mais un homme sans horizon.
Mais avec tout cela, plus que le chrétien,
Gagarine mit en échec l’homme qui, en nous, est éternellement séduit par le paganisme,
qui a pour suprême aspiration d’habiter la terre,
de s’installer sur terre, de séjourner, de fonder,
de mettre des racines, d’adhérer ontologiquement à la race biologique et au sol ancestral ;
l’homme possessif qui veut avoir la terre et qui l’a,
qui sait s’approprier et s’accrocher,
incrusté à tout jamais là où il est,
dans sa tradition, dans sa vérité, dans son histoire,
et qui ne veut pas que l’on porte atteinte aux lieux sacrés du beau paysage et du grand passé ;
le mélancolique qui se console de la malveillance des hommes
en fréquentant les arbres.
Gagarine nous a, pendant un moment, affranchis d’un tel homme
et allégés de ses bibelots millénaires.
La condition du cosmonaute, pour certains aspects, est à plaindre :
un homme qui est le porteur du sens même d’une liberté
et qui jamais plus qu’un autre homme s’est retrouvé prisonnier de sa propre situation,
affranchi de la force de la gravité et lesté plus que tout autre être,
en route vers la maturité et tout emmailloté dans ses langes scientifiques,
comme un nouveau-né d’un autre temps,
réduit à se nourrir avec le biberon et à vagir plus qu’à parler.

mais elle dit aussi ceci à celui qui l’écoute mieux: que la vérité est nomade.


 Maurice Blanchot, França,  in «La conquête de l'espace»



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Filomela



A minha MUSA antes de ser
A minha musa avisou-me
Cantaste sem saber
Que cantar custa uma língua
Agora vou-te cortar a língua
Para aprenderes a cantar
A minha Musa é cruel
Mas eu não conheço outra
Adília Lopes


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Milagre dos peixes


PEIXES-4

São, de todos, os mais esquivos, tão
 esquivos que nem na arca de Noé
 quiseram entrar. Também, para quê?


Rui Caeiro, 1943


terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Sol baixinho


Lampedusa & afins

DO EXÍLIO

Nada era perfeito, havia muito tempo,
 por isso jogávamos batalha
 naval para nos entretermos:

 Quem perdia não interessava,
 éramos pequenos:

 Dependia da posição dos barcos,
e como em tudo havia dois lados
 nenhum culpado, só um desejo:
 Afundar e ganhar o jogo.

Hoje, crescemos no mar mais
 azul de todos: voltam-se
 embarcações mais humanas
 que as nossas, se perdemos:

Lampedusa é refugio de mortos
 em fundo aquático, sem coro
 que os comente ou peixe que
 os coma:

E enquanto isto, eles deixam tudo
 sem tempo de olhar para trás,
ou meios de olhar para a frente,

Tentando o barco do exílio
 e saindo-lhes a barca de caronte,
 por engano e desespero.


Ricardo Marques,  1983

domingo, 4 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar


Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve. 

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração. 

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar. 

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


Falar


A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.

Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.



Ferreira Gullar, Brasil (1930-2016)





sábado, 3 de dezembro de 2016

Dos Peixes


 Dos Peixes

Fixemos os animais mutáveis, vidas
em constante deambulação onírica
pela natureza

Quantos sentidos têm, intrans-
missíveis?

E como fixar nos olhos
um peixe
para que ele nos queira?


Luíza Neto Jorge (1939-1989)



sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Pensar? Sentir?


        Cabeça, Coração

 O coração chora.
 A cabeça tenta ajudar o coração.
 A cabeça diz ao coração como são as coisas outra vez:
 Vais perder quem amas. Todos se irão. Até a terra se irá, algum dia.
 O coração sente-se melhor, então.
 Mas as palavras de cabeça não duram muito nos ouvidos do coração.
 É tudo muito novo para o coração.
 Eu quero-os de volta, diz o coração.
 A cabeça é tudo o que o coração tem.
 Ajuda, cabeça. Ajuda o coração.

Lydia Davis, EUA, 1947


( tradução de M Serras Pereira e Manuel Resende)




terça-feira, 29 de novembro de 2016

Torre inacabada

Gustave Le Gray
Tour Saint-Jacques

Sobre un pedazo de piedra acanalada
se recarga el peso
de la torre inconclusa
desde donde se mire está rodeada
de otoños
ella sigue ahí con pequeños nichos

y guarda del viento sus espasmos

al final del día lo único que habla
es su contorno
rojizo
y a lo lejos su forma alada

de cerca el ángel que parece torre
—lleno de gárgolas—
es poseído por demonios.


Silvia Eugenia Castillero, México (1963)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Interlúnio


Interlúnio

Despertam os dias na intensidade da escassez
em densas manhãs por sonho espesso revoltas;
 caminham os pés- verdes, um de cada vez ,
 ritmando por ora as horas mortas
que são, de súbito, degraus
 silêncio e palavras, secos paus
que  iluminam o vazio.   
Extensas as noites
fenecem num arrepio.

sábado, 26 de novembro de 2016

O beijo



El beso

Por celebrar el cuerpo, tan hecho de presente
por estirar sus márgenes y unirlos
al círculo infinito de la savia
nos buscamos a tientas los contornos
para fundir la piel deshabitada
con el rumor sagrado de la vida.
Tú me miras colmado de cuanto forja el goce,
volcándome la sangre hacia el origen
y las ganas tomadas hasta el fondo.

No existe conjunción más verdadera
ni mayor claridad en la sustancia
de que estamos creados.
Esta fusión bendita hecha de entrañas,
la arteria permanente de la estirpe.

Sólo quien ha besado sabe que es inmortal.


 Raquel Lanseros, Espanha (1973)


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

As Sereias


À NAGEOIRES

La Sirène est une bête, blonde en général
Qui se choisit un coin dans une mer fréquentée
Et s’étend sur un gros caillou
En guettant les hardis navigateurs
Pour des motifs extra-nautiques.

La Sirène gueule comme un putois
Tout d’abord, pour attirer les hommes
Mais en réalité, afin d’également prouver
Qu’elle n’est pas un vrai poisson.

Malgré ce complexe d’infériorité
Elle n’hésite jamais à faire des avances aux gros capitaines
                                                                                       [poilus
Mais la Sirène n’a pas de veine
Car depuis Monsieur Dufrenne
On sait que les marins ont (parfois) de mauvaises moeurs.


Boris Vian




quarta-feira, 23 de novembro de 2016

« Anoitecer de Outono»



Crepúsculo de Outono;
- Devo acender a candeia?
   Alguém me pergunta agora.

Será mais bela a noite acesa?
  sussura a voz dela
    prolongando o crepúsculo.


Etsujin, Japão (1656?-1739)

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

in Apócrifa- PLEC


 Não trago muito
 só o ânimo incerto
 face à quietude de um rio eterno
 e um punhado de coisas ocas
 pestíferas de falta de préstimo
 E quando for a guerra a termo
 os mortos levados
 um império despojado
 e os campos permanecerem
 vazios e lavrados
 correrá sangue nas flores
 Não guardei muito:
 para lá dos braços e mãos inúteis
 não podendo ter de nada
 vaporizado a vida
 Mercenário do infinito,
 escavei algum absoluto
 no espaço onde enterrei companhia
 Agora luto e noite na paz
 e só metade de sabedoria
 que me amaine o horto de incêndio
 e o sepulte no panteão
 o resto levou-me a guerra


Marta Esteves, (sem dados precisos)


domingo, 20 de novembro de 2016

En avoir Plein...



PLEIN

Plaine sotte
 Sans rien vert…
 Ciel couvert
 Qui toussotte.

L’eau tapote
 En pivert.
 L’œil ouvert,
 Mon chien trotte…

Urinal
 Automnal
 Des nuages,
 Quel pisseur
 Emplisseur
 Se soulage ?...

Boris Vian, França (1920-1959)



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Dedicado a Hipátia


       ECLÍPTICA SANGUÍNEA (O Lugar Morto)
                                    Dedicado a Hipátia

 Dizias Sangue e Vida quando todo o ouro cabia na tua boca
 E era tão doce, o entardecer - tão pacifica, a Solidão
 Regressar a casa para junto da própria sombra
 E ter a força para segurar a própria mão.

 Eu era jovem, sonhava
 Beijar a Histeria na boca
 - loucura sanguínea, era tua –
 Era na tua boca azul que os sonhos se despedaçavam, nasciam de novo
 E enormes, altíssimos, eram os pesadelos de deus
 E os sorrisos tristes dos amigos que chegavam
 Trazendo tanto frio nos cabelos, memórias entre os dedos
 Como serpentes mortas encontradas na estrada.

 Então surgiam os cânticos e as garrafas quebradas
 Memórias pela eternidade acariciadas
 E quando o sangue ardia no fundo dos corpos
 E a noite adormecia sob as tuas pálpebras pesadas
 Sonhávamos ou provávamos a existência
 De árvores ardendo em constelações geladas
 Ou de como todo o ouro cabia na tua boca amada.

 Despimos a verdade, ela estremece nua:

 Era às portas da morte que o amor nos esperava.


 E ela

 Ela era uma mulher que dormia
 Com a sua nudez encostada às palavras sagradas:

 Era preciso cair até ao fundo
 Soterrado nos seus braços
 Era necessário perder para não mais recuar
 Para morrer com delicadeza
 Para quase viver sem respirar
 E as trevas, como setas, apontadas para sempre
 Aos planetas e aos segredos e à sua boca dourada

 E talvez dissesses
 Enquanto a Morte espreitava por entre os teus cabelos:
- Caímos das estrelas e
  Caímos das estrelas e
  Caímos das estrelas
  Não chores:

  É através da noite que regressamos a elas.

      Bruno D Lírio (sem dados precisos)


quarta-feira, 16 de novembro de 2016

«O mar na cidade»


El mar en la ciudad

¿Es éste el mar que se arrastra por los campos,
Que rodea los muros y las torres,
Que levanta manos como olas
Para avistar de lejos su presa o su diosa?

¿Es éste el mar que tímida, amorosamente
Se pierde por callejas y plazuchas,
Que invade jardines y lame pies
Y labios de estatuas rotas, caídas?

No se oye otro rumor que el borboteo
Del agua deslizándose por sótanos
Y alcantarillas, llevando levemente
En peso hojas, pétalos, insectos.

¿Qué busca el mar en la ciudad desierta,
Abandonada aun por gatos y perros,
Acalladas todas sus fuentes,
Mudos los tenues campanarios?

La ronda inagotable prosigue,
El mar enarca el lomo y repite
Su canción, emisario de la vida
Devorando todo lo muerto y putrefacto.

El mar, el tierno mar, el mar de los orígenes,
Recomienza el trabajo viejo:
Limpiar los estragos del mundo,
Cubrirlo todo con una rosa dura y viva.


E.A. Westphalen, Peru (1911-2001)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Boris Vian «Cent sonnets»


                            Et Dieu jeta ses yeux sur cet oiseau et
                          trouva qu’il avait une sale gueule…
                                               (St Jérôme IV 5.39)

CAUCHEMAR

Seul…Terré dans l’ombre pâle…
 Et l’animal odieux
 Volait tout près de mes yeux,
 Soufflant son chant comme un râle…

De lointaines chrysocales
 Dansaient au fonds des cieux
 Et le sansonnet vicieux
 Piquait mes orbites sales

Je hurlais à la nuit morne
 Mais le vide fut sans borne
 Et l’œil de Dieu resta sec…

Alors, la volaille horrible,
 Prenant mon thorax pour cible,

 Creva mon cœur de son bec…

NOCTURNE

La lune célébrait sa fête
Tous les oiseaux, groupés en chœur
 Chantaient un chant plein de vigueur
 Marquant le rythme de leur tête.

Musique du soir…Chaque bête
 Avait une joie dans son cœur
 Et dans l’ombre, un pauvre jongleur
 Mi-troubadour et mi-poète

Contait à la lune son rêve ;
 Elle qui l’entendait, se lève
 Lui tend un vase de nectar…

Et le poète, en la nuit brune,
 La vit boire et but sans retard,
 Et dit : Trinquons comme la lune…

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Obrigado, anjo mau!


Thank You Satan

Pour la flamme que tu allumes
Au creux d'un lit pauvre ou rupin
Pour le plaisir qui s'y consume
Dans la toile ou dans le satin
Pour les enfants que tu ranimes
Au fond des dortoirs chérubins
Pour leurs pétales anonymes
Comme la rose du matin

Thank You Satan

Pour le voleur que tu recouvres
De ton chandail tendre et rouquin
Pour les portes que tu lui ouvres
Sur la tanière des rupins
Pour le condamné que tu veilles
A l'Abbaye du monte en l'air
Pour le rhum que tu lui conseilles
Et le mégot que tu lui sers

Thank You Satan

Pour les étoiles que tu sèmes
Dans le remords des assassins
Et pour ce coeur qui bat quand même
Dans la poitrine des putains
Pour les idées que tu maquilles
Dans la tête des citoyens
Pour la prise de la Bastille
Même si ça ne sert à rien

Thank You Satan

Pour le prêtre qui s'exaspère
A retrouver le doux agneau
Pour le pinard élémentaire
Qu'il prend pour du Château Margaux
Pour l'anarchiste à qui tu donnes
Les deux couleurs de ton pays
Le rouge pour naître à Barcelone
Le noir pour mourir à Paris

Thank You Satan


Pour la sépulture anonyme
Que tu fis à Monsieur Mozart
Sans croix ni rien sauf pour la frime
Un chien, croque-mort du hasard
Pour les poètes que tu glisses
Au chevet des adolescents
Quand poussent dans l'ombre complice
Des fleurs du mal de dix-sept ans

Thank You Satan

Pour le péché que tu fais naître
Au sein des plus raides vertus
Et pour l'ennui qui va paraître
Au coin des lits où tu n'es plus
Pour les ballots que tu fais paître
Dans le pré comme des moutons
Pour ton honneur à ne paraître
Jamais à la télévision



Thank You Satan

Pour tout cela et plus encor
Pour la solitude des rois
Le rire des têtes de morts
Le moyen de tourner la loi
Et qu'on ne me fasse point taire
Et que je chante pour ton bien
Dans ce monde où les muselières
Ne sont plus faites pour les chiens...

Thank You Satan!

Léo Ferré, Monaco  (1916-1993)