segunda-feira, 29 de agosto de 2022

No elétrico 28, « Acusação ao princípio da tarde»

 



Viajo atrás do guarda-freio  um saco de livros na mão

o eléctrico quase cheio e na paragem da Sé lá saem

ao que diz o condutor e com ciência pura  os

                                                          carteiristas

muito nervoso aquele que saiu pela porta da frente

E ao dobrar a esquina da Catedral   subindo à luz

da Graça  insinua então o advogado dos passageiros

atirando na minha direção a nuca  e o polegar

                                                  dirigido também

mas à frente do peito resguardado

e contando por certo que eu não o visse   que andaria

                                                                    eu à cata

pois então das carteiras vizinhas

 

Meio mundo ficou de rosto para mim

e eu como se todo o mundo

 tivesse cristalizado no clarão da coisa insinuada

Nisto de carteiristas

o saber de experiência feito dos guarda-freios faz a lei

E posso reafirmá-lo porque chegando à Graça

e em pedindo explicações  a criatura lá foi dizendo que

se eu reagia por alguma coisa seria  Fiquei

a compreender melhor

o murro de Billy Budd no mestre de armas Claggart

na bela novela

de Herman Melville   De um eléctrico na Graça

ao navio Indomável ainda vai existindo a porra do

                                                          inexplicável

 

Abel Neves, 1956

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